Por Pedro Gonzaga
Trata-se de uma experiência comum, não por corriqueira, mas porque é experimentada por tantos de nós: retornamos à praia da infância (ou mesmo da juventude), percorremos a mesma areia, banhada pelo mesmo mar, ao menos em aparência. Sem esforço, é fácil deixar-nos ludibriar por esta artificial constância a que chamamos natureza. E então avançamos, provavelmente caminhando — depois dos quarenta apenas heróis ou dementes correm —, enquanto ecoam as ondas e se gruda à pele a maresia, o que experimentamos parece desmentir a realidade e a própria ideia de habitarmos um único tempo, pois há o inegável imediatismo de nossos sentidos, mas já se acendem também as outras vezes em que percorremos este mesmo lugar, não bem como memória — não se apaga o agora —, mas sim como uma superposição dos muitos que fomos, que de algum modo acordam à caminhada, mais uma vez vivos, juntos com todos que estavam vivos. Sob os pés, as infinitas conchas parecem iguais às que eu usava como falsos escudos, de falsos soldados dispostos nas muralhas de areia úmida, são as conchas na lâmina do retroprojetor na aula de biologia, as pobres conchas que certa vez foram símiles para uma carta medíocre, com pretensões poéticas, escrita na primeira juventude, que neste momento sou incapaz de recordar se fez ou não sucesso, provavelmente não, mas não creio que importasse grande coisa a essas quase eternas carapaças minerais terem sido assim exploradas, carapaças cujas ranhuras agora corro com os dedos enquanto sigo a caminhada.
Se há uma dificuldade na arte da poesia, esta reside em sua pretensão de totalizar a experiência humana. Por isso, um mau poema cobre de constrangimento inclusive o leitor. Nada mais ridículo do que uma pretensão fracassada. Reparem que os romances também têm essa pretensão, em certo sentido, mas reparem o quanto de espaço precisam os prosadores. Eis por que um mau romance não ofende. Ele falha aos poucos, em extensão. Um poema precisa concentrar toda a experiência do que somos em um punhado de linhas, e que outra construção humana fora das religiões almeja isso?
Ao fim da caminhada, penso em escrever um poema sobre as conchas. Então me dou conta que o poema teria de captar o cenário marítimo, o êxtase físico, a passagem do tempo, a matéria das conchas, alguma metafísica, alguma esperança, todo o desencanto necessário para não soar piegas, mas ainda ser capaz de fazer uma afirmação da vida sobre a morte, fiel ao que senti no momento, e vencer a luta contra a tradição (Drummond já me esmaga), e encontrar as palavras certas para a expressão certa, e ter certeza de falhar, mesmo alcançadas todas essas glórias, porque o dia se acaba em seus muitos tons violetas sempre além do que pode a escrita, e porque se fôssemos realmente capazes de falar da essência, o universo todo caberia dentro de uma concha.
Um grande poema é quase essa concha. Esta coluna é só uma lasca.