por Felipe Pimentel
Lacan afirmava que não existiam sujeitos de amor, mas sujeitos ao amor, querendo dizer que não podemos dominar o amor, como se nele fôssemos protagonistas e controladores. De amor não somos nem sujeitos, nem objetos, mas assujeitados. Já aí entra algo interessante na relação do amor com o sexo, pois este, sim, trabalha com objetos. O desejo sexual não deixa de ter algum fascínio pela objetificação, sendo o corpo, esse objeto primordial que somos, ou partes dele, uma das principais fontes de sua energia. Sexualmente, somos, inclusive, capazes de desejar alguém aos pedaços, enquanto o amor é mais exigente, pois só sabe amar integralmente.
Por isso, o amor repele a objetificação do outro. Mais: o amor é oposto à objetificação: quanto mais ele surge, mais amplifica a subjetividade daquele que ama, enchendo a pessoa amada de ideias e jeitos, cores e formas, palavras e fantasias, que tornam aquilo que ela é ainda mais bonito e amável. Ao sexo, pelo contrário, agrada lidar com a objetificação, e mesmo algumas de suas fantasias carregam alguma variação disso, como está nas ideias de entrega e domínio que muitas vezes o acompanham. O que explica as dificuldades das pessoas em lidar com o outro após o sexo quando não sentem nada a não ser desejo sexual. Quando a única coisa que uniu duas pessoas foi o desejo sexual fugaz, quando vem a saciedade desse desejo resta somente um objeto, com o qual pouco se sabe como se relacionar. O que explica também porque por vezes as pessoas precisam dizer algumas palavras após o sexo, como um modo de afastar essa dimensão de objetificação que lhe sucede.
O sexo, tomado puramente, é monopolista: não cria vínculo senão ele próprio (diversas visões místicas, especialmente orientais, perceberam que a experiência sexual seria muito mais intensa se fosse tomada diferentemente, antecedida por uma conexão mais intensa entre as pessoas). E, como vimos, no sexo, não se trata de uma relação de sujeitos, mas de objetos (isso não é o central, mas é algo que também está contido na tese lacaniana de que “não há relação sexual”). Porém, e isso é o mais curioso, no amor também não há sujeitos, pois a ele estamos assujeitados. Onde podemos ser sujeitos, se nem no sexo, nem no amor parece possível?
Cuido para dizer assujeitados e não objetos, porque o amor não nos objetifica, pelo contrário, o amor é a principal força de subjetivação. Nós podemos ser assujeitados diante do amor, mas não para quem amamos – pois é exatamente diante dessa pessoa que mais somos sujeitos. É através do amor que nossa subjetividade se cria e se recria; as palavras de quem nos ama são as palavras que atuam mais profundamente naquilo que somos; as experiências amorosas que temos são as marcas mais firmes na memória do nosso corpo. E é através da conexão possível, e mais rara, entre amor e sexo que podemos experienciar a integralidade da relação entre dois, dois que se desejam objetualmente, subjetivando um ao outro, assujeitados que estão ao amor.
Porém, as fronteiras não são tão definidas assim, dado que uma das características do amor é a capacidade para embaralhar tudo, subjetivando o sexo, objetificando o afeto, fantasiando protagonismos impossíveis, fazendo o sexo mais profundo, o carinho mais desejante, tornando o amado em vários horizontes agora viáveis por sua força e vigor.