Poucas perguntas soam tão extemporâneas quanto esta: O que é o Mal? Não somente pela superação do binômio bem-mal na contemporaneidade, mas também por, ao colocá-lo em maiúscula, supor o mal uma entidade. Caberia essa dúvida em uma época tão repleta de incertezas, tão frágil em suas regulações morais, diagnosticada e devastada pela filosofia nietzscheana além do bem e do mal? Nesta série de ensaios, em vez de buscarmos complexas e inacessíveis conceituações psicológicas para tratar desse tema, recorrendo a autores da história da psiquiatria ou da psicanálise, buscaremos manifestações da arte e do pensamento, sempre tão mais precisas e geniais na sua capacidade de ilustrar os dramas humanos.

No ensaio introdutório de sua série, Felipe Pimentel defende que, em meio a toda a engenharia da alma atualmente vigente, que procura de modos finos extirpar da natureza humana toda sua maldade, parece pertinente retomarmos nossas pequenas vilezas, “não como um modo perverso de nos acusar alguma imperfeição, porém, pelo contrário, como um modo de nos reconhecermos, talvez um pouco mais falhos, mas acima de tudo humanos.”
No segundo texto da série, uma obra-prima do cinema iraniano, do diretor Mohsen Makhmalbaf, ajuda-nos a compreender como as pessoas acometidas pelo ressentimento vivem em volta do ato que o originou.
No terceiro texto da série, Otelo, de Shakespeare, e Dom Casmurro, de Machado de Assis, demonstram que o ciúme é uma neurose do olhar: quanto mais o ciumento está tomado pela crença do olhar como o transmissor das mensagens de desejo (dos outros para si e de si para os outros) tanto mais ele será refém de seu sentimento.
Na ópera moderna de Radiohead, o protagonista padece de um sentimento não necessariamente original: ele se sente inadequado, desajustado e marginalizado frente a uma realidade caótica e desgovernada, na qual as coisas parecem se fragmentar sem que saibamos de onde vem a força que faz tudo ruir.
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Felipe Pimentel é historiador e psicanalista. Além dos “Ensaios sobre o Mal”, assina no Estado da Arte a coluna “Ideia de Brasil”, com textos dedicados a reflexões sobre a Nova República.