É possível inscrever-se no grupo de pesquisa Indivíduo, Democracia e Liberdade do LABÔ-PUCSP. Contato pelo email labo@pucsp.br
Nossas concepções de indivíduo, de democracia e de liberdade – três conceitos que, por si só, já reclamam todo um programa filosófico à parte – são profundamente marcadas pela experiência histórica, filosófica e política da modernidade. É no quadro da modernidade, com efeito, que se consolida uma certa ideia de como esses três conceitos estão imbricados, fazendo ver na democracia o sistema político que garante a indivíduos a realização máxima de sua liberdade. Proteção às liberdades individuais, tanto na esfera pública quanto na esfera privada, assim como na esfera pública, liberdade de credo e de exercício político, combinada a uma robusta defesa da separação do público e do privado, garantida por meio de um desenho do Estado como entidade política que tem seus poderes limitados e que garanta aos indivíduos a não intromissão do poder estatal e/ou coletivo na sua vida particular – eis, em síntese, a concepção encorpada que a modernidade nos legou desses conceitos.
O processo de consolidação de tal concepção de liberdade, contudo, não é, de modo algum, recente. Antes, devemos situá-lo em seu ponto de partida ainda no remoto século XVII, com a gradativa gravitação das questões políticas para a órbita das noções de pluralismo, tolerância e de governo civil moderno, indispensáveis para a compreensão, no contexto das guerras religiosas do período, da própria democracia moderna tal qual a conhecemos – para dizer em uma palavra, a longa marcha histórica que conhecemos com o nome de “liberalismo político”. Das garantias de um Estado neutro quanto aos valores da religião, institucionalização mesma da tolerância e do pluralismo, à nossa muito contemporânea experiência de liberdade nas mais variadas esferas dos hábitos e comportamentos sociais e individuais, o que se vê é a consolidação histórica de um processo filosófico e político que alterou completamente o entendimento da própria ideia de liberdade.
Tão distinta é tal noção de liberdade – e, com ela, as noções de indivíduo e de democracia – que, não por acaso, um dos textos mais célebres e centrais do cânone da Filosofia Política dedicou-se a assinalar essa distinção. “Da Liberdade dos Antigos Comparada à Liberdade dos Modernos”, de Benjamin Constant, registra com agudeza e profundidade a novidade que tomamos como tão elementar em nossa experiência política: a primazia da privacidade e das liberdades individuais em detrimento de uma visão abrangente, coletiva e frequentemente institucionalizada dos direitos do indivíduo é invenção recente e não guarda relação alguma com a experiência de Grécia e Roma, berços de nossa cultura e civilização. Antes, o universo da antiguidade clássica é o formulador por excelência de uma vertente em tudo distinta das noções de liberdade política, indivíduo e democracia, uma em que prevaleciam o sentido de um bem comum, capturado pelo Estado (quer pela polis, quer pelas instituições romanas) e por ele dirigido, reivindicando para si a tarefa de educar os cidadãos – e sobre ele exercer controle – com base em visões definidas do bem e do justo. Em uma palavra, da virtude.
Que as noções antigas de liberdade e democracia, cuja continuidade, através da noção de bem comum, atravessa até mesmo o período medieval, tenham sido gradativamente deixadas de lado pelas forças da modernidade não é novidade. Que tais concepções, contudo, retornem à nossa experiência da democracia contemporânea sob a forma de pressões de grupos de militância identitária desejosos de fazerem valer, pela força institucional do Estado e de sua estrutura político-jurídica, concepções determinadas do bem, do justo e da virtude, eis algo que não estava no horizonte de análise nem mesmo da tradição de filosofia política comunitarista, da qual se poderia esperar defesa de tal registro.
Estaríamos, portanto, vivendo um movimento de refluxo das convicções clássicas do liberalismo político que permitiram as expansões das liberdades individuais em detrimento de arranjos coletivos? Esse eventual refluxo é, de fato, um processo histórico protagonizado justamente pelas forças no interior do próprio liberalismo progressista, refém que teria ficado esta vertente política de uma agenda identitária? Estaríamos, em suma, retornando a modos de compreensão da liberdade, do indivíduo em sua relação com a sociedade e da democracia própria da antiguidade clássica?
Com vistas a investigar esse processo, o presente projeto de pesquisa analisar essas noções políticas (indivíduo, liberdade e democracia) em uma dupla perspectiva: histórica e filosófica. Assim, estão previstos os seguintes períodos de pesquisa:
2019/01: Indivíduo, liberdade e democracia entre os antigos. Estudo filosófico: Platão.
2019/02: Indivíduo, liberdade e democracia entre os antigos: Estudo filosófico: Aristóteles.
2020/01: Indivíduo, liberdade e democracia: passagens para a modernidade. Medievalismo, Reforma e Modernidade.
2020/02: Indivíduo, liberdade e democracia: o liberalismo político. Estudo Filosófico: John Locke e Montesquieu.
2021/01: Indivíduo, liberdade e democracia: o liberalismo político. Da “tirania da maioria” de Tocqueville ao “coletivismo dos individualistas” dos movimentos identitários.
O grupo teve seu início em fevereiro de 2019
Professor responsável: Eduardo Wolf
Doutor em Filosofia pela USP, tendo sido pesquisador visitante na Universidade Ca’Foscari (Veneza, Itália), Eduardo Wolf é colaborador da revista Veja e editor da plataforma multimídia “O Estado da Arte” no jornal O Estado de S. Paulo. Editou, entre outros, os volumes Pensar a Filosofia e Pensar o Contemporâneo, lançados pela Arquipélago Editorial. Traduziu os ensaios de T. S. Eliot (Notas para uma Definição de Cultura e A Ideia de uma Sociedade Cristã e Outros Ensaios – É Realizações) e diversos títulos de filosofia (A Filosofia Antes de Sócrates, de Richard Mckirahan, A invenção da Filosofia, de Néstor-Cordero, entre outros). É professor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo (PUC-SP) e pesquisador do programa de Filosofia Antiga da FFLCH-USP. Foi Secretário-Adjunto de Cultura de Porto Alegre (2017) e curador-assistente do Fronteiras do Pensamento (2016 – 2018).
Leituras:
Escritos de Política, Benjamin Constant. Tradução de Eduardo Brandão. Editora Martins Fontes, 2005.
Górgias, Platão. Tradução de Daniel Lopes. Editora Perspectiva, São Paulo, 2011.
República, Platão. Tradução de Jacob Guinsburg, revisão comparada de Luis Alberto Machado Cabral e notas de Daniel Lopes. Editora Perspectiva, São Paulo, 2006.
Protágoras, Platão. Tradução de Daniel Lopes. Editora Perspectiva, São Paulo, 2017.
Paideia, Werner Jaeger. Tradução Arthur M. Parreira. Editora WMF Martins Fontes, 2013.
A Cidade Antiga. Fustel de Coulanges. Editora WMF Martins Fontes, 2004.