por Nathalia Helou Frontini
Uma parceria com o Instituto de Formação de Líderes – São Paulo.
De acordo com uma visão antropológica, a cultura representa um conjunto de padrões, comportamentos, crenças, conhecimentos, costumes e outros fatores que distinguem um grupo social. Em um mundo globalizado, onde cada vez mais as individualidades de um povo se perdem, a cultura representa a identidade e riqueza de uma nação e pode gerar impactos econômicos positivos para um país.
No Brasil a cultura tem um orçamento, para 2019, de 2,7 bilhões de reais, 0,18% das despesas totais da união (excluindo transferências para estados e municípios). Do total desse orçamento, apenas parte é composta pela Lei de Incentivo à Cultura.
A Alemanha, um dos países que mais investe em cultura, teve, em 2015, um orçamento que representava 1,7% do total dos gastos públicos. Neste mesmo ano, aportou o equivalente a 10,4 bilhões de euros em fundos públicos relacionados à cultura. Já nos Estados Unidos, que também contam com incentivos à cultura, conforme consta em dados da Agência Nacional de Doação para Artes, em 2013, as doações tributárias para entidades culturais somaram US$ 13 bilhões (aproximadamente R$ 52 bilhões em valores atuais).
Com o intuito de aumentar os investimentos com cultura, a Lei Rouanet foi criada em 1991, no governo Collor, pelo então Ministro da Cultura, Sérgio Paulo Rouanet. Agora, no Governo Bolsonaro, a Lei Rouanet é denominada Lei de Incentivo à Cultura. A lei é uma política de incentivo fiscal na qual empresas e pessoas físicas podem destinar parte de seu imposto de renda devido, para projetos e ações culturais. O governo transfere parte da responsabilidade da decisão do que será investido em cultura no país para aqueles que podem fazer a renúncia fiscal.
São três frentes que podem se beneficiar da Lei Rouanet:
- O proponente, responsável por desenvolver um projeto;
- O patrocinador, responsável por aportar os recursos;
- A população, que poderá usufruir do projeto quando colocado em prática.
Para solicitar apoio através da Lei Rouanet , os proponentes devem encaminhar uma proposta para o Ministério da Cidadania. Após algumas etapas, se aprovada, ela se transforma em projeto e recebe autorização para captar os recursos com empresas ou cidadãos. Geralmente o prazo é de até 12 meses para realizar essa captação. Caso o projeto tenha um patrocinador, ele deverá doar os recursos à uma conta vinculada ao proponente, que ficará responsável por gerir os recursos e executar o projeto, registrando todos os custos e despesas que deverão ser futuramente comprovados. Somente no ano vigente que o patrocinador irá renunciar os impostos devidos, alegando que foram destinados à algum projeto da Lei Rouanet.
Para financiar projetos utilizando o mecanismo da lei, empresas precisam ser tributadas pelo lucro real e podem direcionar até 4% do imposto devido; já as pessoas físicas conseguem direcionar até 6%, desde que tenham imposto de renda a declarar. Por exemplo, empresas que devem R$100 mil de imposto de renda, podem apoiar projetos culturais com um valor de até R$4 mil; pessoas físicas que devem R$10 mil de imposto de renda podem destinar R$ 600 à cultura.
Há duas formas de financiar um projeto: por meio de doação ou por meio de patrocínio.
A doação não tem retorno de imagem; já o patrocínio tem, uma vez que o doador pode utilizar sua marca no projeto selecionado, conforme Artigo 23, da Lei 8.313/91.
Este incentivo abre diversas oportunidades para reforçar a cultura no Brasil, financiando museus, centros culturais, eventos e projetos de toda espécie. Mesmo assim, existem muitas críticas de que os investimentos provenientes da Lei de Incentivo à Cultura, derivados da renúncia fiscal, são exorbitantes e deveriam ser destinados à saúde e educação mas, se compararmos com outras renúncias fiscais, conforme nos aponta a reportagem do site G1, do grupo Globo, publicado no dia 03 de Setembro de 2017, enquanto a cultura representa somente 0,66% da renúncia fiscal da União, outros setores da economia têm muito mais incentivos. São eles: Comércio e Serviços: 28,5%; Indústria: 11,89%; Saúde: 11,60%; Agricultura: 10,32%; Educação: 4,85%; Habitação: 4,45%. Dos 0,66% de renúncia fiscal da União somente 0,48% é destinado à Lei Rouanet.
Em dezembro de 2018 a Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizou um estudo sobre os impactos positivos da Lei Rouanet na economia. O estudo foi encomendado pelo então Extinto Ministério da Cultura e foi apresentado pelo economista Luiz Gustavo Barbosa, no Fórum Cultura e Economia Criativa. O estudo identificou que, nos 27 anos de existência da Lei, a cada R$1 investido por patrocinadores nos 58.368 projetos culturais, pelo menos R$1,59 retornou para a sociedade.
Mas, será que na prática, todos os projetos estão alinhados com o que a própria Lei se propõe? Será que todos aqueles que atuam com o poder de decisão estão pensando de fato nos benefícios que a cultura do país irá colher?
Uma rápida pesquisa nos jornais e revistas nos mostra casos de sucesso, em que projetos desenvolvem o entorno e a comunidade em que são realizados, e também casos nos quais empresas e pessoas tentam tirar proveito da Lei em benefício próprio.
Um exemplo bem-sucedido é o Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga no Ceará, que em 1999 foi criado como uma alternativa às festas de carnaval da cidade. A agência que idealizou o projeto, ao se juntar com líderes comunitários, poder público e comerciantes, identificou uma carência cultural na região.
O projeto trouxe grandes transformações à comunidade, uma vez que a agência conseguiu difundir a ideia para as pessoas da região. Com isso, a fim de receber um novo festival, a cidade mobilizou diversas frentes de trabalho como, por exemplo, a implantação de estradas, construção de hotéis e evolução nos serviços. Ainda que a primeira edição tenha sido pequena, hoje o festival é um dos mais reconhecidos do país.
Por outro lado, temos exemplos como o de Claudia Leitte, que em 2013 conseguiu aprovação para captar quase R$6 milhões para a realização de shows nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O projeto foi tão criticado, que a cantora só conseguiu captar R$1,2 milhão de reais. Um dos propósitos da Lei é incentivar a realização de eventos e manifestações artísticas e culturais, mas será que a Claudia Leitte, com toda fama e sucesso comercial que tem, realmente precisava utilizar a lei para realizar o evento? Sem dúvidas ela conseguiria patrocínios privados pela própria visibilidade que ela já possui.
Um outro exemplo de mal uso da lei de incentivo à cultura é o caso já denunciado pelo Ministério Público Federal em São Paulo contra 29 pessoas de participar de um esquema de desvios na ordem de R$ 21 milhões do Ministério da Cultura. Os denunciados, ligados a um mesmo grupo empresarial, obtinham recursos do MinC via Lei Rouanet e usavam o dinheiro para bancar eventos privados como shows, confraternizações e até mesmo o casamento de um dos sócios do grupo.
Se o projeto tiver um caráter cultural, social e transformador terá a oportunidade de levantar recursos, gerar empregos e transformar o entorno; a empresa patrocinadora ganhará visibilidade, com ferramentas de marketing, através recursos que ela mesmo gerou.
No fundo a lei amplia a liberdade do contribuinte a partir do momento em que ele pode escolher onde será alocado o seu imposto. O ideal é pensar que tanto o proponente, que cria o projeto; o Ministério da Cidadania, que o aprova e os Patrocinadores, que aportam o dinheiro, estejam partindo de um senso ético e moral para o desenvolvimento destes projetos, que terão a oportunidade de se tornarem relevantes e transformadores para o país. Neste sentido, é importante que sempre haja o questionamento: será que de fato o meu projeto está contribuindo para a cultura do país?
Nathalia Helou Frontini é designer formada pelo Centro Universitário Senac, possui certificado em Business Administration pelo Insper e é empreendedora na Allidem.