O amor total

Amor ao próximo, amizade e erotismo: como as três imagens do amor para os gregos nos ajudam a pensar a experiência do amor. Confira na coluna de Felipe Pimentel.

por Felipe Pimentel

Nos últimos dois textos (aqui, aqui), apresentei algumas ideias centrais sobre aquilo que não é amor – o amor narcísico – e o que é o amor – pela ideia de “dar o que não se tem”. Seria importante, agora, apresentar as múltiplas faces do amor e indagar se por ventura elas se comunicam.

Trata-se de tema conhecido conhecido. Para os gregos, havia três formas de amar, todas com muitas acepções, claro, mas que podemos abarcar como segue: ágape, o amor difuso, amor como cuidado, amor ao próximo, utilizado nos textos religiosos também; eros, o amor erótico, que envolve os impulsos sexuais; e philia, a amizade, o amor por irmãos, por ideias, pela terra natal.

Os gregos gostavam dessas definições. Não creio que eles julgassem que as fronteiras entre elas fossem muito rígidas e claras – muitas vezes, inclusive, usavam diferentes acepções para a mesma forma de amor. Enfim, elas podem parecer inúteis, mas nos ajudam a pensar.

Por vezes, as pessoas têm dúvidas se estão gostando de alguém. É uma verdade inconveniente, mas gostar normalmente não cria tal tipo de confusão. E isso só pode ser medido na presença física e real da pessoa, pois à distância as impressões podem se confundir – mescladas que ficam a idealizações, à solidão e a incertezas. Agora, frente a frente, o gostar é implacável – não lhe agrada deixar questionamentos. Independente da forma que assuma, o amor não é uma pergunta – sempre foi uma resposta : definitiva, clara, implacável.

Por certo, o amor erótico pode enganar, confundido com tesão ou paixão fugaz; também o pode o amor fraterno, que embaralha algumas amizades; e também o amor cuidadoso, que nos convida a amparar quem padece momentaneamente. Porém, temos aí um caminho: a capacidade de transitar entre todos é convicção dos amantes – a dor do outro é sentida realmente como se fosse nossa (uma forma que aparece em ágape) e a admiração pelo modo como enxerga o mundo nos faz querer ser pessoas tão belas quanto (um modo da philia), e, por fim, tudo isso misturado ao impulso apaixonado de eros.

Como essa certeza se revela é algo multifacetado – e é aí que reside toda a beleza do amor: ele é capaz de transitar pelos sentimentos mais diversos. Quando gostamos de alguém, conseguimos passar do amor erótico ao cuidado mais fraterno; sentimos um empuxo que nos traga para o abraço, o beijo, o sexo, e também o amparo mais carinhoso das dores que venha a ter; admiramos o modo como a pessoa olha o mundo, os sonhos que ela tem, as histórias que viveu no passado e vivemos como se fossem nossas; ficamos encantados como ela fala, dorme, beija, mastiga, gargalha, chora, se engana, se despe.

Toda a irritação com o jeito do outro, o ciúme que quer lhe roubar o passado, o egoísmo que lhe acorrenta o futuro; a indiferença com sua dor, a incapacidade de cuidar; as pequenas grosserias, as maldades cotidianas, sejam elas quais forem (nós sabemos a forma que assumem) – a rispidez, a disputa, a falta de admiração – são todos os nomes do desamor. Em raras vezes, estão a serviço de alguma dificuldade temporária nossa; noutras, podem ser efeitos das dificuldades do tempo, da relação desgastada. Porém, algo me diz, intuitivamente, que são formas limpidamente distintas: as formas do amor desagastado são de outro mundo em relação às formas do desamor.

É curioso (e quando o experimentamos é tão claro), mas quando o amor se instala nada disso acontece: os desacordos, as linguagens distintas, as diferenças, as inseguranças, tudo isso está envolto por duas mãos que andam juntas, independentes de tudo, de todos, passado e futuro; por palavras e silêncios que aproximam e jamais distanciam, impulsionam e não inibem; pelo abraço que sabe acolher, ao mesmo tempo, a dor, o carinho, o sexo – todas essas formas que fazem bem ao mundo, pois o amor não se opõe ao ódio, o amor sempre se opôs ao mal.

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