por Felipe Pimentel
O assunto mais antigo do mundo, afeto imiscuído nas mais diferentes relações humanas, tema das mais duras e também das mais belas poesias, protagonista de tragédias reais e fictícias, vínculo pelo qual sobrevivemos: o amor, como tudo que é fundamental nas emoções humanas, é mais fácil apontar do que explicar. Então, abandonemos as pretensões maiores para meramente enunciar algumas palavras sobre ele, que podem nos trazer algum sabor ao pensar sobre nossos amores.
Os psicanalistas ouvimos muito sobre o amor, em todas as suas dimensões: o amor materno, paterno e o fraterno; o amor romântico, erótico, objetificado; necessitado, proibido, impossível; o amor por ideias, coisas, imagens, deuses. Ouvimos sobre o amor conjugal, o amor livre, o poliamor, o amor objetal, o amor santificado. Tantas vezes, ele está mesclado com seus parentes, tão próximos, tão distantes: a paixão, a necessidade, o tesão – deslindar o que cabe a cada um é tão difícil. Noutras vezes, ele surge pelo (suposto) avesso, o ódio; ou disfarçado nos seus inimigos, a vaidade e a indiferença.
Em muitas ocasiões, ouvimos somente os efeitos que deixou: quando não há mais, a tristeza, o desamparo, a angústia, a solidão e a desesperança; quando ainda presente, todos os opostos daqueles mais a fé. No meio do caminho, estão todos os seus sabores e dissabores, as pequenas ansiedades, as grandes descobertas; suas frustrações, mas também as suas conquistas, em tudo tão superiores; a distância impossível, a conversa infinita, a declaração incessante até a realização dos corpos – todas essas maravilhas que nos são despertadas pela mera possibilidade de vivenciar o amor, provisório ou eterno, e que o tornam tão tolo aos que estão de fora, tão ingênuas as suas ilusões, tão incompreensíveis as suas razões, tão ridículas as suas cartas, para mantermos a imagem de Fernando Pessoa.
O amor somente anda por caminhos tortos quando estamos impregnados de impeditivos internos, que aparecem das mais distintas formas: por vezes, são feridas oriundas dele mesmo, nunca saradas, noutras, esta forma torpe de sedução, o narcisismo. A primeira, por ora, nos escapa, porém o amor narcísico é a perfeita ilustração do oposto do amor.
Em primeiro lugar, a suposição inicial do amor narcísico já é uma corrupção do amor por imaginar que pode controlar o amor do outro – uma das características do amor é que ele não é controlável: nem você pode garantir que seja amado, nem pode impedir que alguém lhe ame, do mesmo modo que não pode deixar de amar por não querer mais, ou passar a amar porque assim o quer. O amor narcísico, no seu jogo da pura sedução, supõe controlar isso, e provocar quando o quiser, independente de quem for, o amor a si – sua imagem frágil e desconhecida sobre si mesmo exige que seja amado constantemente, pois a cada novo olhar de amor que desperta, tem o valor de si referendado. Escapassem de sua visão esses olhares, provavelmente sua imagem e seu próprio valor se fragmentariam, em um colapso suficientemente devastador. O amor pode ser carente, mas o amor narcísico é necessitado.
Em segundo lugar, e isso é o mais grave, é que o principal efeito do amor é exatamente o componente de surpresa que ele carrega, isto é, aquele momento em que um dos amantes olha para o outro, estupefato, e pensa “mas como pode existir alguém assim !?” Quer dizer, aquele que ama não reconhece uma identidade naquele que ama, mas exatamente aquilo que nem imaginava – e precisamente por isso o ama. Aquele que amamos nos abre todo um horizonte novo e inimaginado de vida, por isso – e aí entra a terceira diferença para com o narcisismo – tem a capacidade de nos transformar, mas não no sentido simples de transformação, como uma viagem ou um livro podem fazer, pois como afirma Pierre-Henri Castel, o amor não inventa a si-mesmo pelo outro, mas cria em nós um outro. É exatamente nesse sentido que para Lacan o amor abala toda a estrutura simbólica, pois é incompreensível, em última instância, que alguém queira passar por isso. Deve valer muito a pena.