por Felipe Pimentel
A ostra-dos-lábios-negros dá origem à mais rara das pérolas, a pérola negra – chamada por alguns de pérola taitiana, dado que a maioria das pérolas negras vem de lá. Na mitologia Polinésia, essas pérolas são os primeiros lampejos de luz que os deuses lançaram.
Para encontrar uma delas em estado natural, teríamos que abrir cerca de 20 mil ostras Pinctada maragritifera. Sua pérola surge da mesma forma que as outras pérolas: um objeto externo invade a ostra, irritando-a; assim, para se defender, o manto do animal envolve o objeto invasor com um manto de células epidérmicas, que produzem sobre ele uma substância chamada nácar, que dá origem à pérola.
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Alguns indivíduos exibem um manto de frieza no seu comportamento que tende a afastar a maioria das pessoas. Eles parecem na defensiva, distantes ou até mesmo ríspidos. No seu primeiro contato com os outros dão poucos sorrisos, apresentam-se inacessíveis e com alguma dose de comportamento passivo-agressivo. Na maioria das vezes, esse traço se revela também nas profundidades, e esses indivíduos têm dificuldades de se envolver emocionalmente, acumulando, no máximo, relações curtas ou frágeis, quando não superficiais, seja no amor, seja nas amizades. Quanto às amizades, aliás, também têm dificuldades em angariar novas, dado que sua postura inicial repele ao invés de aproximar. Com o tempo, criam uma camada que envolve seu corpo e suas emoções, que afasta não só os recém chegados, mas também os envolvimentos mais profundos dos próximos. Terminam realmente distanciados de tudo e de todos, transmitindo uma imagem de autossuficiência que nada mais faz que reforçar a ideia de distância que à primeira vista já exibem, num círculo vicioso, que amplia sua solidão interior.
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A principal virtude dos psicólogos e psicanalistas é enxergar além das aparências. E, para nós, a frieza que ora descrevo possui uma explicação que, em alguma medida, faz com que todos nós dividamos algo com os acima descritos.
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Assim como as ostras polinésias, tais pessoas foram atacadas por algo muito grave, algo que lhes ameaçou profundamente, e para se defender, elas criaram um invólucro em torno desse objeto ameaçador, que foi se cristalizando, se solidificando e se materializando como um algo rígido, que passou a lhe pertencer e fazer parte. Essa camada que parece afastar – e efetivamente afasta- todo objeto que se aproxima é seu temor da repetição daquele trauma anterior, jogando-lhe numa crença de que é melhor preservar aquele mal guardado do que permitir a entrada de um novo.
Num certo sentido, em alguma área da nossa vida, nós somos todos como essas pessoas: fomos feridos em algo que não falamos, que para nós guardamos e não deixamos ninguém acessar. São nossas fragilidades mais delicadas, nossas dores mais fundas, nossos traumas mais silenciados. Em torno disso, nos defendemos e afastamos quem quer que venha a se aproximar – das formas mais sutis, como o puro distanciamento, às mais atrapalhadas, como a antipatia ou a fina agressividade que afasta o outro.
Desnecessário dizer que, apesar de atuar como algum entrave aqui ou ali na nossa vida, são as nossas maiores preciosidades. É em torno disso que parte de nós se construiu; é naquele lugar que habitamos sozinhos. Que saibamos acolher quando alguém nos oferece uma dessas preciosidades.