Terraço Econômico: James Heckman e a importância da primeira infância

James Heckman, prêmio Nobel de economia, é um dos principais pesquisadores sobre a importância do investimento em primeira infância. Daniela Chiavenato explica o tema neste ensaio do Terraço Econômico.

Uma parceria de conteúdo com o Terraço Econômico

por Daniele Chiavenato

No mundo da economia, a famosa Escola de Chicago é lembrada sobretudo pelas ideias de um dos seus principais expoentes, Milton Friedman. Isto rendeu à instituição a fama na área da Macroeconomia e uma certa imagem de defesa do Estado Mínimo.

É uma pena que a escola não seja lembrada também por contribuições relevantes em outras áreas, tais como as de James Heckman – um dos seus principais nomes nos dias atuais e que devotou grande parte de sua carreira ao campo das políticas públicas. O destaque do texto vai para seus estudos relacionados à primeira infância e que podem render a Heckman um segundo Prêmio Nobel – mérito restrito até hoje às Ciências Exatas.

Afinal, quem é James Heckman?

Nascido nos Estados Unidos em 1944, Heckman é professor emérito de economia da Universidade de Chicago. Tem graduação em Matemática pela Faculdade do Colorado e obteve seu Doutorado em Economia pela Universidade de Princeton. Foi também um dos fundadores da Harris School of Public Policy (1988), a escola de políticas públicas de Chicago, onde ainda leciona.

Em 2000, Heckman dividiu com Daniel McFadden o Prêmio Nobel de Economia por suas contribuições no campo da Microeconometria. Para quem não conhece este nome complexo, ele faz referência a técnicas estatísticas usadas em estudos ao nível do indivíduo – isto é, valendo-se de dados desagregados sobre diversos aspectos das vidas das pessoas (em oposição a dados agregados como os das Contas Nacionais).

Heckman foi laureado com o Nobel pela sua proposta de solução a um problema bastante comum em estudos deste tipo: o que fazer quando apenas parte dos resultados é observada? Ou, como os economistas gostam de dizer, quando a sua amostra tem viés de seleção. Por exemplo, ao se analisar desigualdades salariais deveria se levar em consideração a decisão de trabalhar ou não. Outro exemplo são as pesquisas domiciliares, como a PNAD do IBGE, em que muitas famílias de baixa renda não reportam diversas informações aos entrevistadores. Em suma, o viés de seleção engloba diversas situações em que a decisão do indivíduo (de participar ou reportar) está relacionada à variável de estudo (renda, emprego, etc.).

Contudo, caso você se interesse pelos trabalhos de Heckman nesta área e procure pelo seu nome na internet, provavelmente encontrará mais menções ao tema primeira infância do que aos seus modelos econométricos. Isto porque a trajetória do professor até o Nobel é apenas uma parte do seu amplo rol de contribuições, sobretudo no campo das políticas públicas.

Desde 2014, Heckman dirige o Centro de Economia do Desenvolvimento Humano (CEHD – Center for the Economics of Human Development) em Chicago, o qual, como o nome sugere, reúne pesquisadores interessados em entender o “potencial humano”, isto é, vcomo as pessoas podem desenvolver plenamente suas habilidades. Mas o grande tema que permeia os projetos do CEHD é o de como as experiências na primeira infância afetam toda a trajetória de vida dos indivíduos.

Os projetos não contam apenas com a contribuição de economistas, mas de pesquisadores de diversos campos do conhecimento, notadamente educação, psicologia e neurociência. Os resultados de programas pilotos de investimentos na primeira infância, desenvolvidos ao longo de décadas, fizeram com que Heckman montasse um verdadeiro caso para o maior direcionamento de recursos aos cuidados na primeira infância e passasse a divulgar o tema em diversos veículos – buscando aproximar a academia da opinião pública.

Mas o que é a Primeira Infância e por que ela é crucial?

A primeira infância compreende o período que vai do nascimento até os seis anos de idade. Apesar da arquitetura do nosso sistema nervoso ser moldada até o início da fase adulta, é durante estes primeiros anos que a fundação é feita. Nossa carga genética interage com os estímulos recebidos, fornecendo as bases para o desenvolvimento de habilidades e comportamentos ao longo da vida [1].

O quanto exatamente é determinado por nossos genes e como se dá esta complexa interação entre fatores ambientais e genéticos ainda permanece fora da luz da ciência. O que pesquisas recentes apontam é que argumentos meramente genéticos não explicam todo o desenvolvimento de habilidades cognitivas (aquelas relacionadas à aprendizagem) e socioemocionais (de modo genérico, nossas habilidades interpessoais e ligadas à motivação), devendo parte aos estímulos recebidos principalmente nos primeiros anos de vida.

Se mesmo a arquitetura de nossos circuitos nervosos é impactada pelo contexto social a que estamos inicialmente expostos, o que isso nos sugere em termos de políticas públicas? Heckman e sua equipe nos apontam duas implicações:

  • Primeiro, a notícia ruim: uma parcela significativa, e em muitos países crescente, das crianças está exposta a ambientes adversos, com poucos cuidados à saúde e estímulos ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional. Um exemplo clássico é o número de palavras que crianças da mesma faixa etária e com condições de vida distintas detêm – com crianças de famílias mais abastadas e escolarizadas apresentando o dobro do vocabulário [2].
  • A segunda notícia é positiva: justamente por terem um grande impacto sobre o desenvolvimento futuro da criança, investimentos nestes primeiros anos de vida apresentam retornos bastante elevados. Estímulos adequados nesta primeira fase, como a convivência com outras crianças, a exposição à leitura e a atividades lúdicas, entre muitos outros, abrem caminhos para a aprendizagem e a motivação.

Em termos econômicos, os investimentos na primeira infância têm efeitos de transbordamento (spillover) tornando políticas para os anos posteriores (de educação à criminalidade) mais eficazes e, neste sentido, menos custosas.

O grande ponto dos trabalhos de Heckman é o de que, além de moralmente justificáveis, as políticas voltadas à primeira infância escapam do difícil dilema que permeia boa parte das decisões de políticas públicas: a delicada balança entre eficiência e equidade. Na visão de Heckman, tais investimentos não seriam apenas justos, mas extremamente eficientes.

Ainda restam grandes dúvidas sobre o tamanho exato dos retornos da educação e dos cuidados com a saúde nos primeiros anos de vida. Contudo, trabalhos em diversas frentes do conhecimento humano têm apontado para uma crescente necessidade de políticas robustas voltadas à primeira infância.

Talvez Heckman não ganhe novamente o Nobel por suas contribuições recentes, mas seus estudos e de sua equipe para que “nossas crianças tenham uma chance”certamente merecem divulgação.

Daniele Chiavenato é colaboradora do Terraço Econômico

Notas:

[1] Ver: https://developingchild.harvard.edu/wp-content/uploads/2015/05/Science_Early_Childhood_Development.pdf

[2] Ver: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4204337/

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