Viktor Frankl e a busca por sentido

A obra do médico austríaco Viktor Frankl utiliza-se da experiência nos campos de concentração para propor um caminho para o sentido da vida.

por Mariana Peringer
Uma parceria com o Instituto de Formação de Líderes – São Paulo.

“Podem roubar tudo de um homem, salvo uma coisa: a última das liberdades humanas – a escolha da atitude pessoal frente a um conjunto de circunstâncias – para decidir seu próprio caminho.”

Viktor Frankl foi um neuropsiquiatra austríaco. Ficou mundialmente conhecido depois de O Homem em busca de sentido se tornar um best seller mundial. Na obra Frankl descreve a sua experiência como prisioneiro em campos de concentração nazistas, onde se viu reduzido aos seus limites e os seres humanos eram tratados pior que animais. Como foi que, tendo perdido tudo, sua família, com todos os seus valores destruídos, sofrendo de fome, de frio, atos de brutalidade, esperando a todo momento pela morte, conseguiu encarar a sua vida como algo que valia a pena?

A primeira parte do livro é comovente. O autor narra com detalhes desde os locais por onde passou até os procedimentos adotados pelos nazistas, assim como as suas reações. Entre 1942 e 1945 Frankl passou por quatro campos, inclusive os piores deles, o de Therezin (1942-44) e o de Auschwitz (1944), depois foi transferido para Kaufering und Tuerkheim, extensão de Dachau. Frankl sempre teve muito interesse pelo comportamento humano. Ao longo dos anos observava seus companheiros prisioneiros e percebia que aqueles que tinham uma esperança, e davam um significado à suas vidas, predominavam entre os sobreviventes da selvageria. Por outro lado os que perdiam a fé no futuro estavam condenados.

Para Frankl, a sua sobrevivência e a de seus companheiros se deu principalmente pela capacidade de se manterem ligados, cada um de forma singular, a sentimentos que lhes davam capacidade de transcender o sofrimento, numa atitude intencional e livremente aceita, rumo a um valor mais alto e capaz de dar sentido a todo aquele infortúnio. Por isso, para ele, o sentido da vida era se preencher de forças vitais, enquanto a ausência desse sentido era capaz de levar o indivíduo a uma condição oposta e muito mais propensa ao sofrimento. A experiência que teve no campo de concentração mostrava que a vida imposta constituía o ambiente social e que, por fim, determinava o comportamento dos indivíduos em geral.

Mas onde fica a liberdade humana? Não haveria um mínimo de liberdade interior no comportamento, na atitude frente às condições encontradas? Será que uma pessoa nada mais é do que o resultado de sua constituição física e disposição genética somadas a sua situação social? No livro, Frankl conta que sua experiência mostrou que uma pessoa pode agir fora do previsível. O campo de concentração pode privar a pessoa de tudo, menos do desejo à liberdade. Esse desejo faz com que algumas pessoas assumam atitudes alternativas frente às condições adversas. Ao mesmo tempo que uma pessoa aceita a sua rota inevitável, absorvendo todo o sofrimento que lhe é imposto, também é revelado uma abundância de possibilidades que podem dar sentido à sua existência. A pessoa pode permanecer corajosa e digna ou, quando a luta pela autopreservação é levada ao extremo, esquecer de sua humanidade, se tornando, por completo, um animal. Se diz que toda tentativa de restabelecer a vontade de viver de uma pessoa pressupõe que se consiga orientá-la para um alvo futuro. Nas palavras de Nietzsche: “Quem tem um ‘porque viver’ aguenta quase qualquer ‘como'”.

Não estamos acostumados a perguntar pelo sentido da vida mas experimentamos uma inquietude quando nós mesmos nos indagamos sobre isso. Em última análise viver não significa outra coisa além do que arcar com a responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida, pela realização das tarefas colocadas à cada indivíduo e pelo cumprimento da exigência que o momento nos impõe.

Essa exigência, e com ela o sentido da existência, se altera de pessoa a pessoa, de um momento para o outro. Jamais o sentido da vida pode ser definido em termos genéricos. As exigências que a vida nos faz são sempre concretas, únicas e singulares. Nenhum ser humano e nenhum destino pode ser comparado a outro, porque nenhuma situação se repete.

Frankl dizia que a vida humana tem sentido em todas as circunstâncias e que esse infinito de significado também abrange o sofrimento ou a morte. Para aqueles que estavam na escuridão total do barracão, quando observavam a situação em que se encontravam, por mais difícil que ela fosse, deveriam procurar recobrar o ânimo, cientes de que, mesmo perdida a batalha, nem os esforços nem a dignidade que lhes restava perderiam o sentido.

A vida no campo de concentração cria condições perfeitas para o surgimento de um abismo na alma do ser humano e é nessa profundeza onde se encontra a natureza do homem. A geração que passou pelos campos de concentração talvez tenha conhecido essa essência como nenhuma outra. O que é, então, o ser humano? É o ser que sempre decide o que ele é; o que inventou a câmera de gás; o que entrou na câmera de gás, ereto, com uma oração nos lábios.

Por fim, o autor aborda a psicologia dos prisioneiros recém libertos. Dia após dia existia a expectativa que a liberdade chegaria e quando finalmente a bandeira branca tremulava nos portões do campo a felicidade não era óbvia e evidente. A passos lentos os companheiros se arrastavam em direção a liberdade. Suas pernas mal os sustentavam. Olhavam em volta, encarando uns aos outros, com uma pergunta nos olhos. Não sentiam alegria. Sob o ponto de vista psicológico, tudo parecia irreal, tudo ainda parecia um sonho. Nas palavras de Frankl: “neste momento não sabes muito de ti, nem muito sobre o mundo.”

O que impressiona neste livro é que nos momentos de maior sofrimento, Frankl se entregava à memória da sua mulher, que estava grávida e também era prisioneira de Auschwitz. Conversava com ela, evocava a sua imagem, e assim se mantinha vivo. Quando ele finalmente foi libertado, no fim da guerra, a sua mulher estava morta, tal como os pais e o irmão. No entanto, ele se alimentara de outro sonho enquanto estava preso, e, este sim, viria a se realizar. Se projetava no futuro e se via falando perante um público imaginário, explicando o seu método para enfrentar o maior dos horrores e sobreviver.

Até morrer, aos 92 anos, Frankl divulgou por todo o mundo o método desenvolvido no campo de concentração, a Logoterapia. Ele descobriu que os sobreviventes eram aqueles que criavam para si próprios um objetivo e que encontravam um sentido futuro para a existência. O ser humano não tem a obrigação de definir o sentido da vida em termos universais. Cada um fará de sua maneira, partindo de si próprio, a partir do seu potencial, se descobrindo dia após dia. O sentido da vida não apenas difere de uma pessoa para outra, mas cada um terá um propósito vital em cada fase da sua existência. O importante é que cada objetivo confira satisfação e coragem para fazer levantar pela manhã e lutar por aquilo que se deseja.

Mariana Marcolin Peringer é associada ao Instituto de Formação de Líderes (IFL-SP) e economista libertária. Trabalhou 14 anos no Banco do Brasil na área de banco de investimentos. Atualmente administra a Funcional Fight Club.

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