por Carlos Mauro
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Uma das coisas mais prazerosas e ao mesmo tempo difíceis da vida é aprender com as nossas próprias experiências na vida. Durante um tempo, no início da minha trilha na Ciência e na Filosofia, acreditei que a história das coisas era interessante, mas não muito importante para o debate científico contemporâneo. Afundado em ignorância pensava que o debate contemporâneo teria incorporado o que valia a pena e superado o que não era relevante. Com toques de soberba e ingenuidade pensava que existiam filtros quase-perfeitos de qualidade no exercício das Ciências Sociais, Ciências Comportamentais e até da Filosofia. Isto é, pensava que o debate científico seria suficiente para “avançarmos” numa superação constante do que havia sido feito no passado.
Eu estava errado.
Isso não faz nenhum sentido nas Ciências Sociais, nas Ciências Comportamentais e na Filosofia. A riqueza existente no pensamento não-contemporâneo é grande e está disponível. Em muitos casos, obras, pensamentos e conceitos foram mal interpretados e assim, sem correção, foram debatidos e aplicados durante décadas ou séculos, influenciando o exercício científico e formando o senso comum. Voltar, por exemplo, a Platão, Aristóteles, Adam Smith, Marx, pode ser muito produtivo se estivermos com a mente aberta e intelectualmente disponíveis.
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Não posso dizer muito sobre outras áreas científicas às quais conheço apenas como leigo curioso. Apesar disso, posso afirmar que essa questão temporal também é pertinente noutras áreas científicas, mas com contornos, implicações e respostas diferentes. Para já, não vamos aprofundar esse debate, mas, no Concreto, ao longo dos próximos meses, esse e outros temas serão debatidos com autores de diversas áreas.
No caso específico das Ciências Comportamentais, é especialmente importante olharmos para sua, ainda recente, história.
Parece existir, como disse no artigo anterior, uma significativa confusão conceitual, histórica e um discurso pop simplista que colocam em risco o exercício desenvolvido nessa confluência multidisciplinar.
Por essa razão, decidi tratar, numa perspectiva pragmática e bastante resumida, de aspectos históricos das ciências comportamentais que contribuirão para um melhor exercício de definição terminológica, realizado na parte final do artigo.
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Um pouco da história.
O início é trágico. Parece brincadeira, piada de mau gosto ou uma infeliz coincidência, mas houve uma época no Estados Unidos, no pós-guerra, por volta do final dos anos 40 e início dos anos 50, que muitos confundiam o termo “Social” das Ciências Sociais com “Socialismo” (para uma visão resumida desse fenômeno o leitor poderá consultar Miller, 1954; Senn, 1966; Schmeck Jr., 1968; Pooley, 2016).
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Para pessoas relevantes do governo e para parte do senso comum, as Ciências Sociais constituíam um potencial perigo à ordem social, às instituições e à economia. Consequentemente, cientistas sociais e programas científicos foram perseguidos e o financiamento de atividades de pesquisa foi sendo progressivamente dificultado.
Essa foi uma das razões para a criação do termo Ciências Comportamentais. A partir dessa nova “marca”, parte dos cientistas sociais conseguiriam manter o financiamento de suas atividades.
Para além disso, por volta de 1949, como conta James G. Miller (1954), um grupo de cientistas de diferentes áreas da Universidade de Chicago considerou existir um conjunto suficiente de evidências para o desenvolvimento de uma teoria geral do comportamento que fosse empiricamente testável. Para designar este empreendimento, cunharam o termo Ciências Comportamentais. Na visão deste grupo, o termo acomodava bem as dimensões biológicas e sociais em jogo, e mostrava-se suficientemente neutro e aceitável para os cientistas das áreas envolvidas. Para além disso, contornava a inadequada confusão terminológica entre Ciências Sociais e Socialismo.
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Início de uma digressão.
Como sabemos, as Ciências Sociais e a Filosofia ainda continuam a ser desvalorizadas e a ter reduzidos financiamentos para pesquisa em diversos contextos nacionais. Tudo o que diz respeito, por exemplo, à produção de conhecimento sobre dinâmicas, relações e ações sociais parece ser supérfluo para os que ignoram, e perigoso para os interessados na fixação de algum status quo. Esses últimos parecem reagir e não conservar coisas no mundo.
Essa reação passa necessariamente pela desmoralização sistemática de qualquer área do conhecimento que potencialmente sirva para desmontar retóricas reacionárias e anti-científicas. Os alvos prioritários na maior parte das vezes são as Ciências Sociais e a Filosofia. Entretanto, temos assistido em vários países à tentativa sistemática de desmoralização de outras áreas científicas como a Epidemiologia, a Astrofísica e a própria Medicina, como se fizessem parte de uma grande conspiração cultural globalista ou de uma selvagem quadrilha capitalista.
Para deixar claro o que chamo de reacionário, sirvo-me do contraste que Andy Hamilton (2020) sugere entre conservadores e reacionários:
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“For conservatives, vital political relations are organic. Unlike reactionary thinkers, they regard traditions not as static, but as in a gentle and gradual flux, encouraged by the astute reformer.”
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Para o leitor interessado na distinção entre reacionários e conservadores, esse artigo da Stanford Encyclopedia of Philosophy ajuda a compreender questões relevantes, confusões conceituais e definições necessárias. Apenas pincei duas frases que ajudam-me a clarificar o significado de dois termos que utilizei. Não é uma citação de natureza argumentativa, justificativa ou de autoridade. Apenas descreve bem as noções de reação e reacionarismo que utilizei em parágrafos acima. O debate é mais complexo, É preciso ter isso em mente.
Num contexto global de ignorância científica generalizada, de fundamentalismo ideológico à direita e à esquerda em momentos e contextos diversos, e de forte propensão à fé na prosperidade fácil e ao materialismo espiritual, os sofrentes, cansados de uma desigualdade profunda e estrutural, e os algozes, interessados na manutenção dessa desigualdade, atacam em conjunto as Ciências Sociais. A articulação entre sofrentes e algozes faz-se no campo da desinformação, das notícias falsas e na sistemática corrupção do pensamento crítico.
Estão enganados aqueles que neste momento estão a pensar que estou a referir-me apenas ao Brasil e à atual conjuntura nacional. Apesar de parecer-me clara a referência e verdadeira a proposição de existência desse fenômeno na atualidade brasileira, a desinformação, as notícias falsas e a corrupção do pensamento crítico têm sido práticas comuns em domínios, dominações e denominações políticas em todos os sentidos e direções.
Felizmente, existem estratégias para contrariar esse movimento. É preciso diminuir a gritaria — ninguém ouve ninguém. É urgente circunscrever a gritaria à parcela fundamentalista, libertando e conquistando para o debate as pessoas que apenas ignoram. O melhor esclarecimento e a maior divulgação possível do funcionamento das ciências e da filosofia, de suas instituições e de suas aplicações práticas, são fundamentais.
O pensamento crítico, preferencialmente de natureza lógico-informal, pode ser estimulado e praticado, sem drama, sem complicação, de modo não acadêmico. Precisamos compreender quais são os pontos relevantes no debate público. Nalgumas sociedades, existe um pseudo-debate caracterizado por bordões mitômatos, memes, “lacrações” e outras formas e estratégias que fecham as portas ao real e desejado debate.
É preciso compreender quais são as premissas subjacentes a certas crenças e proposições. Tudo isso terá de ser justificado e a conclusão estará sempre dependente dessas premissas. Não faz sentido usarmos a ironia, o escárnio, o desrespeito, o cinismo e o ataque pessoal como formas e práticas de debate. Fazer isso é conceder espaço ao não-debate e sucumbir à tentação egoísta, prazerosa e barata do massacre retórico de curto prazo.
Sei que isso parece utópico e elitista, mas não é. É possível comunicar para além dos bordões mitômatos, memes e “lacrações”.
Esse assunto é muito importante para o desenvolvimento das Ciências Comportamentais no contexto brasileiro. Não cabe neste artigo o aprofundamento desse debate, mas, mesmo que seja certo que nos próximos artigos do Concreto esse assunto será retomado e aprofundado, é importante dizer que as Ciências Comportamentais não estão e nem devem estar imunes aos ataques argumentativos de nenhum grupo e de ninguém. Cada um terá críticas a fazer à aplicação das Ciências Comportamentais às políticas públicas e às políticas organizacionais. Será estranho se isso não ocorrer.
Esse debate é importante para garantir que a sociedade compreenda claramente o que está em jogo e que decida se quer ou não contar com as Ciências Comportamentais como um dos fundamentos para as políticas públicas e organizacionais. Entretanto, esse exercício não deverá ser realizado apenas pelas lentes ideológicas fundamentalistas que, mesmo legítimas, não são suficientes para garantir a transparência necessária. Não refiro-me ao ideal de neutralidade que ainda encanta alguns. Refiro-me à transparência concretizada pela clareza dos pressupostos, crenças, justificações e da relação lógica entre tudo isso e a conclusão.
Nesse sentido, a imprensa e a academia terão um papel relevante, desde que não tornem o debate elitista, hermético e exageradamente complicado. As pessoas precisam conhecer o potencial positivo da aplicação das Ciências Comportamentais, mas, também, seu potencial negativo — dependendo da forma que esse conhecimento é utilizado e da existência ou não de regulação.
Saber como mudar comportamentos de modo discreto e eficaz pode ser uma “arma” apontada para a Democracia e para a Liberdade, mas, ao mesmo tempo, pode ser fundamental para a manutenção e o desenvolvimento de ambas. Esse debate tem de começar a ser feito no Brasil, como tem sido feito noutros lugares do mundo.
Obviamente, sou favorável à aplicação das Ciências Comportamentais às políticas públicas e organizacionais, e à sua justificação de natureza ética — o “Paternalismo Libertário”. Entretanto, a discussão vazia ou inexistente é perversa. Permite a entrada em cena de todo tipo de retórica anti e/ou pseudocientífica, anti-política e oportunista, reduzindo o fértil terreno das políticas comportamentais a um campo traiçoeiro de manipulações mercadológicas que beneficiam exclusivamente poucos em detrimento de consumidores, cidadãos, eleitores etc.
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É perceptível a minha necessidade de digressões textuais. Ajudam-me a compor o objeto. Mesmo que dificulte a compreensão num primeiro momento, sinto-me mais honesto e sofro menos. Agradeço a todos pela compreensão. Caetano Veloso, em Peter Gast, escreveu: “Sou um homem comum. Qualquer um. Enganando entre a dor e o prazer.” Analogamente, enganado entre a dor e o prazer, muitas vezes concretizo a minha enganação com os dilemas de escrever mais ou menos, colocar mais ou menos informação, fazer ou não digressões. São decisões práticas, que dependem do objetivo da comunicação e que geram dor e prazer constantes.
Fim de uma digressão.
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Percebemos pela história que o rebranding (reformulação da marca) foi importante. Nalguns contextos, dizer Ciências Comportamentais ao invés de Ciências Sociais funcionou.
Por um lado, o termo Ciências Comportamentais ajudou na sobrevivência de um conjunto relevante de cientistas e de áreas científicas específicas, criando, ao mesmo tempo, uma confluência multidisciplinar original que ligou produtivamente diversas ciências ao tema do comportamento humano.
Por outro lado, foi-se criando, na minha opinião, a falsa crença contemporânea numa possível existência de uma ciência comportamental singular, unificada, originalmente interdisciplinar, mas com predominância da Economia para uns e da Psicologia para outros.
Essa parte paroquial da história das Ciências Comportamentais é a que mais me incomoda. Não faz sentido que a dimensão científica mais elevada seja dominada por pensamentos de natureza paroquial, institucional ou nacional. Sei que a vaidade e as disputas departamentais e nacionais existem e que fazem parte do nosso mundo, mas não podemos aceitar passivamente que dominem mentalidades, práticas e a gestão científica de modo tão decisivo.
Felizmente, parece que parte importante dos cientistas não está disponível a trilhar esse caminho, mantendo o diálogo aberto e intensificando o trabalho multidisciplinar prático com colegas de áreas diversas. Existem, porém, aqueles que ainda defendem que as Ciências Comportamentais são exclusivamente uma nova marca da Psicologia, ou da Economia, especialmente da Economia Comportamental.
Parece-me irrealista e injustificada a crença no desenvolvimento de uma Ciência Comportamental unificada, originada e desenvolvida de modo interdisciplinar, que torna-se por emergência numa nova disciplina independente das que a originaram e desenvolveram. Isso não vai acontecer. Por isso, muitas áreas atualmente lutam pela filiação e outras pela afiliação às Ciências Comportamentais. E, com isso, mais uma vez, confundimos as pessoas.
Como vimos no artigo anterior, o termo Ciências Comportamentais pode significar muitas coisas diferentes mesmo para pessoas academicamente próximas. Se o leitor tiver curiosidade, bastará fazer uma rápida pesquisa em qualquer motor de busca na internet com o termo “Behavioral Sciences”. Verá uma grande variedade de descrições, aplicações e definições, nalguns momentos contraditórias.
Kramer (1964), referido em Senn (1966), escreve sobre as áreas constituintes das Ciências Comportamentais, o seguinte:
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“In present day usage we have come to mean by the term ‘behavioral sciences’ those disciplines which deal directly with human behavior. In some circles, membership in the behavioral science club is limited to psychology, sociology and anthropology. In other circles, membership is extended or perhaps limited to mathematics, psychiatry, and neuro-physiology. In many circles, however, membership is denied to such fields as history, economics, and political science.”
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De lá para cá, a Economia tem trilhado um caminho importante na direção das Ciências Comportamentais e de um produtivo trabalho multidisciplinar aplicado em colaboração com a psicologia social, a psicologia cognitiva, a neurociência e com programas mais específicos como judgement and decision making (JDM). Esse caminho levou ao desenvolvimento daquilo que conhecemos como Economia Comportamental.
Apesar de aparentemente óbvia, a ligação entre as Ciências Comportamentais e a Economia Comportamental não é linear. Cientistas como Daniel Kahneman (Nobel 2002), Amos Tversky, Richard Thaler (Nobel 2017), Paul Slovic, Herbert Simon (Nobel 1982), George Loewenstein, Daniel Ariely, entre outros, conhecidos como precursores e/ou expoentes da Economia Comportamental, fizeram ou fazem parte simultaneamente de diferentes áreas e programas científicos. Isto torna bastante imprecisa e improdutiva qualquer tentativa de identificá-los exclusivamente com qualquer disciplinas científica específica. Este é um tema importante, mas não cabe neste artigo. A história da Economia Comportamental será explorada noutras oportunidades.
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Hoje em dia, com uma importante ajuda mercadológica da Economia Comportamental, as Ciências Comportamentais têm atuado de modo eficaz e produtivo no desenvolvimento de políticas públicas e organizacionais de natureza comportamental. Termos como Behavioral Insights, Nudge, Sludge, Behavioral Policy, entre outros, têm sido criados e explorados comercialmente por unidades governamentais, organizações multilaterais e empresas de consultoria. Esses termos expressam visões semelhantes, mas diferenciadas pela maior ou menor proximidade à Economia Comportamental, à Psicologia e/ou às Ciências Comportamentais, definidas de modo mais ou menos inclusivo.
Essas unidades governamentais, multilaterais e empresas de consultoria possuem equipes multidisciplinares, muito distantes de qualquer hegemonia científica particular. Para que se possa compreender melhor o contexto e a constituição dessas unidades dedicadas à criação de políticas comportamentais, sugiro que o leitor passeie por alguns exemplos: Behavioral Insights Team (BIT-UK), Ideas 42 (USA), o Social and Behavioral Sciences Team (SBST – USA) — descontinuado pelo governo Trump —, EmBeD (World Bank), Behavioral Economics Group (BID), OECD, BIU (Austrália), Irrational Labs (USA), Ogilvy Behavioural Change (UK), BUSARA (Kenya), CLOO (Portugal e Brasil).
Nos últimos 10 anos, muitos avanços foram feitos na disseminação e aplicação das Ciências Comportamentais por todo o mundo. Para além da criação de organizações dedicadas, duas publicações foram críticas: o World Development Report de 2015 do Banco Mundial, e a ordem executiva Using Behavioral Science Insights to Better Serve the American People do governo americano.
O World Development Report 2015 foi dedicado à aplicação das Ciências Comportamentais às Políticas Públicas. Logo, nos primeiros parágrafos, seus autores deixam claro os objetivos e o contexto multidisciplinar desta publicação:
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“The title of this Report, Mind, Society, and Behavior, captures the idea that paying attention to how humans think (the processes of mind) and how history and context shape thinking (the influence of society) can improve the design and implementation of development policies and interventions that target human choice and action (behavior). To put it differently, development policy is due for its own redesign based on careful consideration of human factors.
This Report aims to integrate recent findings on the psychological and social underpinnings of behavior to make them available for more systematic use by both researchers and practitioners in development communities. The Report draws on findings from many disciplines, including neuroscience, cognitive science, psychology, behavioral economics, sociology, political science, and anthropology. In ongoing research, these findings help explain decisions that individuals make in many aspects of development, including savings, investment, energy consumption, health, and child rearing.”
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Em 2015, o presidente Barack Obama assinou a ordem executiva Using Behavioral Science Insights to Better Serve the American People. Inicia o texto reconhecendo que existem evidências de que as Ciências Comportamentais podem contribuir para o desenho de melhores políticas públicas, dando, a seguir, exemplos práticos:
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“A growing body of evidence demonstrates that behavioral science insights — research findings from fields such as behavioral economics and psychology about how people make decisions and act on them — can be used to design government policies to better serve the American people.
[…] To more fully realize the benefits of behavioral insights and deliver better results at a lower cost for the American people, the Federal Government should design its policies and programs to reflect our best understanding of how people engage with, participate in, use, and respond to those policies and programs. By improving the effectiveness and efficiency of Government, behavioral science insights can support a range of national priorities, including helping workers to find better jobs; enabling Americans to lead longer, healthier lives; improving access to educational opportunities and support for success in school; and accelerating the transition to a low-carbon economy.”
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Para todos que trabalham diariamente na aplicação das Ciências Comportamentais, a criação de mais organizações dedicadas, a publicação de relatórios importantes dedicados ao tema por organismos multilaterais e a decisão de alguns governos de tornar padrão a utilização dos insights das Ciências Comportamentais no desenho de políticas públicas, foram excelentes notícias. Imaginávamos estar a viver um momento singular na história.
Curiosamente, se olharmos para a matéria publicada no New York Times, no dia 3 de setembro de 1968, intitulada U.S. Urged to Rely on the Behavioral Sciences (Schmeck Jr., 1968), perceberemos que esse movimento esteve latente por muito tempo. A matéria começa com a indicação de que o National Research Council (NRC) sugeriu claramente que os “government policy makers were urged today to lean more heavily on use of the behavioral sciences […]”. A matéria mostra ainda que, num de seus relatórios, o NRC teria sido explícito e contundente acerca da necessidade da utilização das Ciências Comportamentais e teria identificado as disciplinas constituintes desse empreendimento científico.
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“The decisions and actions by the President, the Congress and the executive departments and agencies must be based on valid social and economic information and involve a high degree of judgment about human behavior”, said the report. To this end, it said, the knowledge and methods of the behavioral sciences should be applied as effectively as possible”
[…] A preface to the report defines behavioral sciences broadly to include all the major disciplines that deal with group and individual behavior — anthropology, economics, history, political science, psychology and sociology.”
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Independentemente de aproximações e afastamentos das Ciências Comportamentais das Políticas Públicas e das Políticas Organizacionais desde os anos 50 do século XX, percebemos claramente que na década de 2010 houve uma aproximação determinante. Atualmente, as Ciências Comportamentais fazem parte do dia a dia de policy makers em muitos países e organismos multilaterais, como também começam a fazer parte do dia a dia de executivos e tomadores de decisão de empresas privadas e ONGs.
A história das Ciências Comportamentais é muito mais complexa do que foi possível contar neste artigo. É repleta de debates conceituais, epistemológicos e políticos. Entretanto, essa primeira aproximação já é suficiente para transmitir aquilo que, para mim, é central: o conceito de Ciências Comportamentais tem sua fundação nas Ciências Sociais e seu exercício é multidisciplinar. Muitos outros pontos e autores importantes nessa história serão tratados noutros artigos do Concreto, incluindo, por exemplo, o pensamento de Gerd Gigerenzer e os conflitos científicos com Daniel Kahneman.
A seguir, iniciarei um exercício de definição das Ciências Comportamentais. Em Português, mas também em Inglês, esses exercícios são raros. Toma-se como dado que todos sabem com precisão o que são as Ciências Comportamentais, mas, como vimos, existe uma variedade grande de definições, muitas vezes contraditórias entre si.
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Um exercício apenas.
Para um exercício não pretensioso de clarificação e definição, é importante tornar explícitas as premissas, mesmo que não o faça de modo formal. Antes de qualquer frase abaixo, por favor, leiam sempre “Para mim” ou “Na minha opinião”, pois é uma opinião e não uma descrição. É apenas um exercício e deve ser visto como um estímulo ao debate.
Minhas assunções são as seguintes:
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(1) O objeto das Ciências Comportamentais é o comportamento do agente, seja do animal humano ou do animal não-humano. A diferença entre animais humanos e não-humanos é objeto de um debate paralelo que envolve diversas áreas científicas e filosóficas, e que não é necessário neste exercício. Faço apenas uma ressalva ao possível questionamento acerca do comportamento de coisas como termostatos, organizações, instituições e agregados sociais diversos. Contanto com um importante debate sobre agência, para mim, estes objetos parecem não ter as propriedades necessárias e/ou suficientes dos agentes animais, mesmo que animais humanos sejam críticos em seus processos. Obviamente, por analogia, podemos utilizar o mesmo vocabulário e dizer, por exemplo, que estes objetos pensam, possuem heurísticas e enviesamentos cognitivos, mas é importante ter em mente que será sempre e apenas uma analogia conveniente sem concretude ontológica semelhante.
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(2) As Ciências Comportamentais são todas as ciências que tratam de alguma forma do comportamento animal humano ou não-humano. Essa afirmação ainda é insuficiente, pois, obviamente, a Física e a Química e outras áreas também tratam do comportamento em instâncias e níveis explicativos diferentes e relevantes. Entretanto, num primeiro olhar mais superficial, poderiam não ser identificadas ou consideradas relevantes para o tema.
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(3) Para resolver isso de modo pragmático, proponho que utilizemos o termo Ciências Comportamentais apenas no sentido de sua aplicação e não de qualquer constituição fixa e a priori. Isto é, quando dissermos Ciências Comportamentais, estaremos necessariamente referindo qualquer constituição multidisciplinar que tenha os seguintes objetivos: (i) criar e desenvolver intervenções ou políticas de mudança comportamental que procurem resolver questões comportamentais concretas; (ii) explicar ou prever juízos, decisões e/ou comportamentos concretos. É irrealista, como referi, a ambição de criarmos teorias e/ou paradigmas científicos exclusivos ou específicos das Ciências Comportamentais.
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(4) Como consequência, nenhuma área científica pode filiar ou capturar as Ciências Comportamentais. Por outro lado, qualquer área científica poderá afiliar-se e integrar concretamente equipes multidisciplinares que dão concretude ao conceito de Ciências Comportamentais.
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(5) As Ciências Sociais, nas quais Psicologia e Economia estão incluídas, têm papel fundamental na organização dos trabalhos aplicados das Ciências Comportamentais, maioritariamente desenvolvidos nas áreas das Políticas Públicas, Políticas Organizacionais e de Negócios.
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Quais são as outras assunções necessárias para desenvolver-se uma definição eficaz das Ciências Comportamentais? Será que essas assunções fazem sentido? O leitor interessado no tema poderá contribuir para o debate. As redes sociais do Estado da Arte podem ser utilizadas para isso e terei muito prazer em receber e responder emails sobre esse tema. No próximo texto, começaremos uma série de artigos sobre questões e aplicações práticas das Ciências Comportamentais.
O debate e o respeito são fundamentais.
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Referências:
Cass Sunstein & Richard Thaler (2003). Libertarian Paternalism, 93, Am. Econ. Rev. 175 (2003).
Epstein, Brian, “Social Ontology”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2018 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/sum2018/entries/social-ontology/>.
Hamilton, Andy, “Conservatism”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2020 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/spr2020/entries/conservatism/>.
Miller, James G. (1955). Toward a general theory for the behavioral sciences. American Psychologist, 10(9), 513–531.
Obama, Barack. 2015. Using Behavioral Science Insights to Better Serve the American People. Executive Order #13707, September 15, 2015. https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/2015/09/15/executive-order-using-behavioral-science-insights-better-serve-american. Accessed 27 August 2020.
Pooley. Jefferson D. (2016), “A Not Particularly Felicitous” Phrase: A History of the “Behavioral Sciences” Label. Serendipities, (1): 38-81.
Schlosser, Markus, “Agency”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2019 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/win2019/entries/agency/>.
Schmeck Jr. (1968), U.S Urged to Rely on the Behavioral Sciences. New York Times, September 3rd.
Senn, Peter R. (1966), What is “Behavioral Science?” – Notes toward a history. J. Hist. Behav. Sci., (2): 107-122.
World Bank (2015), World Development Report 2015: Mind, Society, and Behavior. World Bank, Washington, DC.
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