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“Ser contemporâneo é criar seu próprio tempo, não refleti-lo. Ou melhor, refleti-lo, mas não como um espelho. Como um escudo.”
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Marina Tsvetaeva, O poeta e o tempo
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“O reconhecimento de que a História é feita a partir de nossos julgamentos não nos livra da busca pela reconstrução da verdade daquilo que aconteceu.”
Esse é o imperativo consagrado por Vinícius Müller, professor do Insper e colaborador do Estado da Arte, em sua leitura acerca da obra de Reinhart Koselleck — obra que, ainda nas palavras de Müller, “dá um passo atrás na própria História e busca a compreensão sobre o percurso que nos lega os conceitos, os parâmetros e os tempos da História”.
Dar um passo atrás na própria História, buscando compreender o percurso que, ao mesmo tempo, serve de condição de possibilidade à formação de nossos conceitos e é por eles constituído. Os parâmetros e os tempos que fazem parte daquilo a que, por convenção ou herança, chamamos História são também informados por nossos juízos, é verdade; isso não é desculpa para renunciar à tarefa da compreensão. A verdade é construída e interpretada e reconstruída por meio da tarefa própria de interpretação, mas esse processo deve ser conduzido em seus próprios termos e sob sua própria luz. O Historiador articula e reconstrói a História por meio de sua linguagem, mas deve fazer isso dentro dos limites que o próprio passado necessariamente impõe àquele que é nosso presente. Sem relativismo, sem relativizações. Mas sem aquiescência.
Compreender, afinal. É com esse imperativo que Vinícius Müller passa agora a, além das colaborações usuais — ensaios de maior fôlego, debruçando-se em maior detalhe sobre ideias e autores e eventos e textos e contextos —, assinar, bissemanalmente, uma espécie de coluna no Estado da Arte. Terça sim, terça não, Vinícius lê — e nos oferece — a História como presente.
O imperativo formulado pelo próprio Vinícius já o indica como autor à altura da tarefa; já o classifica como um bom entendedor. Afinal, como também ele bem definiu — desta vez, em leitura acerca da obra de Johan Huizinga — entender bem é entender aquilo que veio antes.
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Czes?aw Mi?osz dizia que “aquele que reivindica a História está sempre seguro/ os mortos não vão se levantar pra prestar testemunho em contrário”. A História como presente respeita a lição de Mi?osz, precisamente porque respeita os mortos. Precisamente porque não pretende reivindicar a História, colocando-a como álibi irrefutável. A ideia não é reivindicar nada — não é chorar ou rir, enaltecer ou atacar irrefletidamente. Sem dedos em riste ou pontos de exclamação: spinozianamente, a ideia é compreender: compreender a História e o presente
Compreender a História não como um esquema de leis fixas ou fixadas, não como aposta a justificar qualquer coisa que se diga ser sua marcha inexorável — “a História é feita a partir de nossos julgamentos” —; compreendê-la como presente. Uma História que não se esgota, que não carece de transcendência, cultura ou consciência. Não se trata, portanto, de buscar o fim da História, mas de buscar chaves possíveis para que possamos compreender também as nossas próprias circunstâncias. Compreender aquilo que ontem foi evento histórico ou nota de rodapé pode ajudar a identificar aquilo que hoje tem dimensão de nota de rodapé ou de evento histórico.
No Estado da Arte, por Vinícius Müller, A História como presente. Mostrando paralelos possíveis, negando os impossíveis e dizendo por que são impossíveis, comentando o hoje e o ontem. Não o amanhã — deixemos essa pretensão para aqueles que não são bons entendedores, fiquemos apenas com a tarefa de criá-lo. Como um escudo.
Na estreia, o Brasil, 1968 e 1988, aquilo que já foi e o que ainda não terminou.
Boa leitura!
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Gilberto Morbach
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