Camisas verdes, ontem e hoje: um olhar histórico para nosso tempo

"No momento em que vivemos a experiência de tentativa de implementação de uma democracia iliberal no Brasil, retomarmos a história do Integralismo de Plínio Salgado e as reminiscências no imaginário da direita autoritária brasileira é um passo fundamental." Por Rodrigo Coppe, uma resenha do recém-publicado 'O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo', de Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto.

por Rodrigo Coppe

Fenômenos políticos que se formaram atualmente no Brasil na esteira do que se denomina de populismo de direita têm atrás de si uma longa tradição, que se não bebem de maneira consciente, reverberam indiscutivelmente elementos de seu imaginário.

No momento em que vivemos a experiência de tentativa de implementação de uma democracia iliberal no Brasil, retomarmos a história do Integralismo de Plínio Salgado e as reminiscências no imaginário da direita autoritária brasileira é um passo fundamental. Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto nos ajudam nesse caminho com o recém-publicado O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo, pela editora FGV (com fragmentos inéditos publicados no Estado da Arte). A partir de um olhar histórico acurado e rigoroso, os historiadores da Universidade Federal de Juiz de Fora nos ajudam a compreender esse importante tronco da direita brasileira ao reconstruírem a trajetória do integralismo.

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(Reprodução: FGV)

Mesmo assumindo um longo arco temporal, algo arriscado na prática historiográfica, não nos deixam de oferecer detalhes pormenorizados do movimento integralista e as mutações pelas quais passou de 1930 aos nossos dias. O livro cumpre assim o papel de introduzir os leitores nas sendas desse que foi o movimento de extrema direita brasileiro mais importante da história republicana.

O livro soma ao campo extenso e consolidado dos estudos historiográficos brasileiros sobre o Integralismo, trazendo um diferencial importante: é uma obra sobre o movimento para o tempo presente, quando se vive no país a ascensão de um novo populismo de direita ao governo central do Brasil. Como bons historiadores atentos ao contemporâneo, Gonçalves e Caldeira Neto vislumbraram a importância atual em oferecer ao grande público um olhar mais amplo sobre o fenômeno.

Dividido em quatro partes e recheado por amplo acervo iconográfico, a obra busca dar conta da formação do Integralismo nos anos 1930, sua atuação no período entre 1945 e a ditatura civil-militar, a formação do neointegralismo após a morte de Plínio Salgado nos anos 1970 e, por fim, o neointegralismo do século XXI. A última parte do livro traz o elemento mais inédito à obra: a interpretação dos historiadores sobre as últimas manifestações neointegralistas na esteira da ebulição política e cultural do Brasil após as Jornadas de 2013 e no período da eleição presidencial de 2018.

A questão que abre o livro é sobre as relações entre o Integralismo e o fascismo italiano, ponto chave para se entender os desenlaces da direita autoritária brasileira como um todo, inclusive para além do próprio Integralismo. Os indícios sobre a herança do movimento de Benito Mussolini no Integralismo são muitos. Se denominar o movimento de Plínio Salgado como fascista pode levar a questionamentos conceituais nos meios especializados, ignorar as influências fascistas no movimento não é possível, a não ser se você for um dos novos e escassos fieis integralistas que passaram a ecoar a doutrina política nas redes. As fontes são abundantes. Os seguidores não.

Plínio Salgado (Reprodução: Arquivo Público do Paraná)

O encontro de Plinio Salgado com Mussolini em 1930 foi um momento de epifania para o líder brasileiro, o que desencadeou os passos seguintes que levaram à formação da Ação Integralista Brasileira. A ideia de que os intelectuais ligados ao seu projeto nacionalista devessem tomar à frente dos rumos do país foi um dos elementos do imaginário de Salgado, que pensava em “romper com a tradição medíocre da política”. Salgado foi seduzido profundamente pela política fascista e sua crítica à democracia, ao liberalismo e ao comunismo. No entanto, acreditava ser capaz de construir um caminho único, afirmando que não era inspirado pelas ideias de Mussolini, querendo fazer acreditar que construía bases inéditas para a sua ação política. Além do encontro direto com o Duce, com quem estabeleceu acordos financeiros, enviando dinheiro para o movimento em vistas de expandir sua doutrina pela América Latina, o Integralismo brasileiro teve relações próximas com organizações fascistas e conservadoras internacionais. Podemos citar, entre eles, o Integralismo Lusitano e a Action Française de Charles Maurras, um dos grupos mais importantes da direita francesa no início do século XX. Maurras, diga-se de passagem, é geralmente rememorado e cultuado pelos neointegralistas contemporâneos. Os autores apontam também o interesse de Plínio Salgado em se aproximar da Alemanha nazista, o que ocorre de fato, em reuniões com representantes do regime de Hitler na Europa.

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Charles Maurras

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O marco de fundação do movimento se deu em 1932 com a leitura do Manifesto de Outubro. O texto trazia a defesa da autoridade, denunciava uma conspiração contra o Brasil e propunha defender a família, além de um Estado de tipo fascista, chamado de Estado Integral. Caldeira Neto e Gonçalves chamam a atenção para a tônica religiosa do documento, que parece embeber a doutrina integralista como um todo. O conhecido lema “Deus, pátria e família” teria uma longa vida na história política brasileira, chegando até aos dias de hoje, como se pode notar nos discursos de apoio ao projeto de Jair Messias Bolsonaro. Para além desses elementos, o tom messiânico que atravessa o movimento e se concentra na imagem de Plínio Salgado, compreendido como um profeta, é outro aspecto que salta aos olhos. A ideia de “harmonização social” que propõe contra a doutrina liberal e comunista, que toma de certos elementos do magistério católico antimoderno do final do século XIX, é a ideia central do integralismo. O líder integralista sempre se apoiava no catolicismo em momentos difíceis, usando-o instrumentalmente com o intuito de justificar as suas práticas. O uso de elementos religiosos, mesclando-os aos políticos, é recorrente na história republicana brasileira. O intuito é oferecer às massas uma doutrina política mais palatável, apelando aos substratos do imaginário que carregam a partir de suas próprias experiências.

O movimento passou por mudanças no decorrer de sua história. Os autores citam, por exemplo, a busca por um novo tom em 1944. Com a crise do Estado Novo e a derrota certa do Eixo, Salgado remodelou o discurso e passou a se posicionar contra o fascismo. Era necessário mitigar essa influência para que o movimento continuasse vivo. No entanto, uma de suas novas influências, recebida no seu exílio em Portugal, era a Democracia Cristã portuguesa, que tinha suas bases no projeto salazarista. Criou o Partido de Representação Popular (PRP) com o intuito de entrar na lógica do novo momento democrático brasileiro. Entre 1945 e a morte do líder integralista em 1975, o movimento se desdobrou nos esforços para ocupar um novo lugar político, com sucessos pontuais, visto o descrédito que colhia da opinião pública. Como os autores afirmam, “as declarações públicas de Plínio Salgado, por mais intensar que pudessem ser, não tinham mais o mesmo impacto de antes. Em muitos momentos, ele não era mais levado a sério”.

Membros da Ação Integralista Brasileira

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Com a morte do líder, surgiram muitas perguntas entre os militantes sobre quais caminhos o movimento deveria seguir. Logo se colocou a disputa de seu capital simbólico, alguns grupos surgiram entre 1975 e 2001 defendendo a herança integralista, como por exemplo a Associação Brasileira de Estudos Plínio Salgado e a Cruzada de Renovação Nacional, o Partido de Ação Nacionalista (PAN) e o nomeadamente integralista Partido de Ação Integralista (PAI). Os autores lembram também o período que gira em torno de 1988, especificamente as relações entre os neointegralistas e os skinheads, dissidência do movimento punk, que adotava discurso moralista, contra os homossexuais e defesa da família. A aproximação com grupos neonazistas, a partir da atuação de Anésio de Lara Campos Jr. também é recordada pelos autores. Os anos 1990 foi marcada pela tentativa em se desvencilhar das polêmicas da década passada, buscando retornar ao culto da memória com o intuito de construir novos laços, sendo fundado assim em 1995 o Centro Cultural Plínio Salgado (CCPS). No entanto, o movimento estava reduzido a poucos militantes devido à fraca capacidade organizativa. Uma nova tentativa de organização do movimento se deu com Marcelo Mendez e a fundação por ele do Centro de Estudos e Debates integralistas (Cedi), principal organização na passagem para o século XXI. Mendez havia surgido no final dos anos 1990 como o rosto da nova geração integralista. Profundo entusiasta da causa, buscava encontrar novos canais de disseminação do ideal integralista, propondo o uso da internet para esse fim. Momento importante segundo os autores foi a missa para inaugurar o centro: entronizaram Nossa Senhora de Fátima como padroeira do grupo, tentativa de aproximar os neointegralistas da Associação Tradição, Família e Propriedade (TFP), que também vinha se definhando e era objeto de disputas desde a morte de seu líder, Plínio Corrêa de Oliveira, em 1995.

O neointegralismo do século XXI nasce sob impacto do suicídio de Marcelo Mendez, que se mata deixando uma mensagem política ao seu grupo. Pequenos grupos se formaram, defendendo diferentes interpretações do legado integralista: alguns focavam no conservadorismo católico de Salgado, outros insistiam na perspectiva antissemita que também havia atravessado o movimento em sua origem, enquanto outros ainda continuavam próximos de neonazistas e skinheads. A difundida teoria conspiracionista de que o “marxismo cultural” fazia vítimas nas universidades brasileiras se espalhava nos vários grupos neointegralistas, acompanhada por argumentos negacionistas do Holocausto. Os autores lembram que no início do século XXI surgem três grupos neointegralistas: A Ação integralista Revolucionária (AIR), o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B) e a Frente Integralista Brasileira (FIB), sendo o último o mais ativo. O período anterior que leva ao impeachment de Dilma Rousseff é marcado pela presença de grupos neointegralistas nas marchas antigoverno, especialmente as que acontecem em São Paulo, assumindo o tom antipetista que reverberava nas ruas e nas redes sociais. Os autores chamam atenção para grupos que surgem na esteira do neointegralismo e o aumento do tom autoritário que portam. O que ficou notável com o atentado à produtora do Porta dos Fundos em 2019.

O livro de Caldeira Neto e Gonçalves é publicado num momento-chave da história da política brasileira pós-1988 e lança luz sobre a emergência de Jair Messias Bolsonaro ao poder executivo. Difícil não fazer paralelos com o momento atual quando os autores nos apontam o ideal do integralismo: uma nova perspectiva “que buscava romper as tradições da velha política com um discurso autoritário, antiliberal, antidemocrático, anticomunista, baseado numa concepção cristã radical e conservadora”. Além disso a obra nos relembra que a direita brasileira em sua faceta autoritária é um oceano que precisa ainda ser explorado pelos estudos históricos e outras áreas das Ciências Humanas.

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Em manifestação realizada no centro de São Paulo, em novembro, grupo neointegralista ressuscita velhas fardas e saudações  (Foto: Hélvio Romero/Estadão)

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