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A economia da política: história, consensos e opiniões

por Caio Vioto

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Ainda que seja muito arriscado fazer generalizações históricas, pode-se dizer que um dos principais (talvez o principal) temas da política, considerando ações governamentais e campanhas eleitorais, é a economia. Da mesma forma, políticos das mais variadas orientações ideológicas costumam atribuir à “vontade política” o poder de modificar situações econômicas. No entanto, quando se olha para a economia, histórica e cientificamente, percebe-se que a iniciativa política, embora seja uma variável importante, é só mais um entre diversos fatores que influenciam nas circunstâncias. Isso ocorre, em geral, devido ao fato de que o tempo da economia é diferente do tempo da política. Enquanto a última, na percepção dos atores políticos e da sociedade, varia conforme os governos se alternam, ou seja, ocorre de maneira mais factual, a primeira depende de uma coordenação de fatores temporais mais alongados, conjunturais e, muitas vezes, estruturais. Sendo assim, grande parte dos efeitos econômicos da política, sejam positivos ou negativos, só serão perceptíveis anos após uma determinada iniciativa.

Esse hiato entre economia e política incentiva atores políticos a fazerem promessas que, muitas vezes, não condizem com os consensos científicos ou mesmo com aquelas que são consideradas, a nível global, as melhores práticas de política econômica. Os exemplos mais clássicos se referem a controles de preços e descontrole fiscal. Situações inflacionárias ou de flutuações internacionais de preços — como no caso dos combustíveis — fazem com que governos e pretensos governantes prometam controlar preços por decreto, o que, há muito tempo, já é consistentemente reconhecido como disfuncional para a ciência econômica, por gerar diminuição da oferta e mercados paralelos. Do mesmo modo, diante de crises econômicas, de recessão ou baixo crescimento, as promessas giram em torno de aumentar os gastos governamentais para aquecer a economia, ignorando ou minimizando as consequências da dívida pública, muitas vezes criando espantalhos como “os especuladores”, “os banqueiros”, desconsiderando que, diante de um risco de calote, o incentivo para os agentes econômicos seria cobrar maiores juros ou simplesmente deixar de financiar déficits, algo que também é bastante consensual entre a maioria dos economistas chamados mainstream.

O que hoje pode ser considerado consensual, no entanto, estabeleceu-se ao longo de um processo histórico, iniciado no segundo pós-guerra, que trouxe profundas mudanças em diversos aspectos. Após a derrota do nazifascismo, começa a se formar, ainda que de forma heterogênea, um consenso, no Ocidente, em relação à democracia. A partir das necessidades de reconstrução dos países devastados pela guerra, inicia-se um processo de crescimento das atribuições do Estado, especialmente na área social, o welfare state. Ocorre um crescimento populacional sem precedentes, com aumento da população economicamente ativa, o baby boom. O padrão de consumo, sobretudo a partir dos EUA (american way of life), se transforma em todo mundo, e o que antes era considerado luxo ou alta tecnologia passa a estar presente no cotidiano da classe média.

A economia, a partir do mesmo período, enquanto ciência, se torna mais empírica e menos baseada em insights e narrativas. Dessa forma, as grandes interpretações da sociedade, incluindo o comportamento econômico dos agentes, como aquelas feitas desde Adam Smith, passando por autores tão diversos como Marx, Keynes e Hayek, se transforma no uso cada vez mais aprofundado de ferramentas estatísticas, econometria e modelos matemáticos, por influência de economistas como Paul Samuelson, John Hicks e Kenneth Arrow. Assim, mais do que uma disputa por qual visão geral seria a “correta”, a prática da ciência econômica se direciona ao estabelecimento de paradigmas e ferramentas metodológicas compartilhadas pela comunidade científica da área.

Apesar disso, os métodos e paradigmas podem ser aperfeiçoados, como em qualquer área científica. Desse modo, muitos aspectos ainda não consensuais vão se transformar ao longo da segunda metade do século XX, visto que o baby boom e a “Era de Ouro” do capitalismo (1945-1973), assim como a “ameaça socialista” e a presença de ditadura nos países “periféricos”, incentivariam “experimentalismos” em termos de política e teorias econômicas. Nas décadas de 1950-70, em termos de política econômica, o mundo experimentaria o auge do keynesianismo, com política de pleno emprego, eventuais controles de preços e salários, bem como uma tolerância maior em relação à inflação e endividamento público. Muitas economias, especialmente periféricas, na Ásia, África e América Latina, eram nacionalizadas e apostavam no modelo ISI (industrialização por substituição de importações). O câmbio no sistema Bretton Woods, por sua vez, propiciava fluxo de capitais e mercadorias entre os países desenvolvidos. Porém, com o choque do petróleo, em 1973, com a crise do desenvolvimentismo nos países periféricos e do welfare state nos países centrais, ao longo da década de 1980, um novo consenso emergiria em seguida.

Muitas vezes rotuladas como “neoliberais” ou como derivadas do “Consenso de Washington”, nos anos 1990, políticas de metas de inflação, equilíbrio fiscal e câmbio flutuante marcam uma nova virada na ciência econômica e nas políticas públicas. O Estado deixa de ser indutor do crescimento para ser regulador do ambiente econômico, a importância das instituições para o desenvolvimento econômico, representada por autores como Douglass North e, mais recentemente, Daron Acemoglu e James Robinson, coloca em evidência a importância da segurança jurídica e da estabilidade de regras, em detrimento do mero acúmulo de capital ou da industrialização, para um desenvolvimento econômico sustentado. Da mesma forma, a importância da educação para o desenvolvimento econômico e social é cada vez mais reconhecida, assim como políticas ambientais entram definitivamente na agenda, juntamente com políticas assistenciais focalizadas, marcando o novo consenso na virada para o século XXI, que combina economia de mercado e Estado social, ainda que fiscalmente responsável.

Porém, parte dos atores e grupos políticos continuam acreditando e utilizando fórmulas há muito tempo abandonadas. A América Latina é um laboratório fértil para experimentalismos obsoletos. Países como Argentina e Venezuela, ao longo das primeiras décadas do novo milênio, abusaram de políticas de calote na dívida pública, controle de preços, protecionismo e indução do Estado na economia. O Brasil, embora o Plano Real tenha amortecido as iniciativas demasiadamente heterodoxas, também tentou, nas décadas passadas, reeditar o velho desenvolvimentismo de meados do século XX. Ainda hoje, por aqui, importantes players políticos, mais à esquerda, desacreditam frequentemente políticas como a do tripé macroeconômico, ignoram e rechaçam a importância das reformas e, vez ou outra, propõem políticas absolutamente sem sentido como controle de preços. Na extrema-direita, mesmo depois do sucesso de políticas como o Bolsa Família, e de avanços — ainda que com percalços – na universalização da saúde e da educação, bem como de proteção ambiental, transformou-se em discurso oficial o ataque e a tentativa de desmonte institucional do Estado, dando origem a uma espécie de política do “cada um por si”.

Às vésperas de mais uma eleição presidencial, fica claro que, outra vez, o debate econômico se dará em bases muito distantes do consenso formado pela ciência econômica e que “opiniões” e “vontades políticas” infundadas ocuparão a maioria dos debates e propostas. No entanto, temas como a inflação, o desemprego e o crescimento econômico preocupam o eleitor. De qualquer forma, fica claro, olhando historicamente, que apesar dos consensos econômicos se transformarem ao longo do tempo, países que se afastam muito deles acabam amargando, por décadas, situações de crise e recessão, embora os governos e candidatos sempre acreditem ter na manga a fórmula para tornarem suas nações potências econômicas. Isso, infelizmente, não depende de “vontade”, mas de uma combinação de fatores. Muitas vezes, arrumar a casa e começar a olhar para experiências bem-sucedidas é o primeiro passo para começar a melhorar a situação. No entanto, este não parece ser o interesse de muitos grupos políticos que pretendem o exercício do poder e a definição das políticas econômicas no horizonte atual.

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Hayek e Keynes

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Caio César Vioto de Andrade

Caio César Vioto de Andrade é Doutor em História e Cultura Política pela UNESP-Franca.