Economia

Os efeitos (re)distributivos da política monetária

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Cinco fatos sobre os efeitos (re)distributivos da política monetária

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(Wikimedia Commons)

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por João Ricardo Costa Filho

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O estudo da política monetária não é novo, mas as ferramentas recentes (modelos teóricos, métodos computacionais e bases de dados mais amplas e granulares) têm proporcionado uma revolução no entendimento de como ela se propaga na economia. A heterogeneidade dos agentes tem se mostrado importante para compreender e revisitar os seus canais de transmissão. Fiz uma introdução, do ponto de vista teórico, no texto A política monetária da diferença.

Desta vez, quero abordar o lado empírico dessa importante discussão, a partir do artigo de Niklas Amberg, Thomas Jansson, Mathias Klein e Anna Rogantini Picco intitulado Five Facts about the Distributional Income Effects of Monetary Policy Shocks. Os autores têm acesso à dados individuais de uma base administrativa sueca e analisam como a política monetária se propaga e afeta a renda de pessoas entre 26 e 65 anos (no seu apêndice online, os mesmos reportam também os impactos nas rendas de quem já está para se aposentar e no acúmulo de ativos, mas, assim como eles fizeram no corpo do artigo, vou me restringir neste texto ao principal escopo do trabalho deles).

O que acontece com a distribuição de renda, após um corte na taxa de juros de 0,25 ponto percentual? Cinco fatos ilustram os seus impactos.

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#1 Quem ganha com uma política monetária expansionista?

Primeiro, é importante ressaltar que a renda de todos os grupos aumenta, mas por mecanismos diferentes e com magnitudes diferentes. Quem está no topo da distribuição (os 1% mais ricos) teria incremento em torno de 3% da sua renda, ao longo de dois anos. No mesmo período, a renda dos 10% mais pobres aumentaria 2%, em média. Quem está “no meio do caminho” na distribuição tem um aumento mais tímido, algo entre um quarto e um terço do efeito citado nos outros dois grupos. Ou seja, há mudanças na distribuição de renda após alterações na taxa de juros, o chamado canal da (re)distribuição de renda, mas essas mudanças acontecem em formato de ‘U’, com efeitos maiores nas extremidades.

Mas será que o aumento nas extremidades é proveniente das mesmas fontes?

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#2 O mecanismo para os indivíduos de baixa renda

Para os indivíduos de baixa renda, a principal fonte no aumento da renda é, fundamentalmente, o crescimento da renda do trabalho. São os salários e benefícios associados à atividade laboral que crescem de maneira mais significativa para esse tipo de indivíduo. Os autores encontraram, inclusive, que o efeito na renda dos mais pobres é maior (cresce por volta de 2%, ao longo de dois anos) do que desse mesmo tipo de fonte no mais ricos (cujo incremento seria inferior a 1%).

Se o salário dos mais ricos não cresce tanto assim, será que a outra ponta do ‘U’ “funciona” de maneira diferente?

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#3 O mecanismo para os indivíduos de alta renda

Outra fonte importante de renda (além da renda do trabalho e das transferências), é a renda do capital (no trabalho, ela consiste na soma dos ganhos realizados de capital, dos dividendos e juros recebidos, dentre outras fontes). Depois da expansão monetária, a renda do capital cresce para todas as faixas de renda, mas a intensidade é diferente. Quanto mais se aproxima do topo da distribuição de renda, maior é o efeito. Por exemplo, o aumento desse tipo de renda daqueles que são mais ricos é algo em torno de 4% ao longo de dois anos, ao passo que, para os 10% mais pobres, o aumento está por volta de 0,5%.

Portanto, as duas rendas (trabalho e capital) crescem com políticas monetárias expansionistas, mas a heterogeneidade e a composição são canais importantes para o efeito total final.

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#4 A “pontas do U” são diferentes

Os autores definem a renda do trabalho como a soma dos salários e dos rendimentos do trabalho autônomo. Eles encontraram uma resposta heterogênea no canal da renda do trabalho (earnings heterogeneity channel). Quando decompõem as alterações, a parcela dos salários ganha protagonismo em oposição à renda gerada pelo emprego autônomo. Como já como já destacado antes, os mais pobres experimentam aumentos maiores e isso está diretamente relacionado ao comportamento dos salários.

Mas será que a mudança na distribuição de renda é resultado apenas do menor aumento dos salários dos mais ricos em relação aos mais pobres? Para entender as diferenças nas respostas das extremidades da distribuição de renda, precisamos lembrar que a sua composição muda entre os grupos.

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#5 A importância da composição da renda

Por que os indivíduos mais ricos (1% da distribuição de renda) têm um aumento total maior do que os  demais, em média? Pelo que vimos, há uma diferença no comportamento da renda do capital ao longo da distribuição de renda, e como é justamente essa a maior fonte de renda desses indivíduos, há um efeito proveniente do canal da composição (income composition channel) que faz com que, nas simulações após a política monetária expansionista, tanto os 10% como os 1% mais ricos se apropriem de uma parcela maior da renda total da economia.

Curiosamente, os autores encontram que o índice de Gini não é uma boa métrica para medir os efeitos da política monetária na desigualdade, uma vez que aquele formato de ‘U’ faz com que os fortes efeitos nos extremos se cancelem, e haveria pouca alteração nessa estatística após choque monetários, mesmo com mudanças significativas na distribuição de renda.

Os cinco fatos apresentados, ainda que com a ressalva sobre a sua validade externa por se tratarem de dados de um país específico, são fundamentais para evoluirmos na análise na discussão sobre a condução da política monetária. A desigualdade é um fator relevante e abriga diversos canais. A diferença importa.

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(Reprodução)

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João Ricardo Costa Filho

João Ricardo Costa Filho é Doutor em Economia pela Universidade do Porto e Postdoctoral Fellow na UECE/Universidade de Lisboa (Twitter: @costafilhojoao)