Falando de Música

Estatísticas clássicas de 2017

por Leandro Oliveira

Há anos o site Bachtrack realiza um trabalho extraordinário de coleta de dados sobre o mundo da música clássica internacional. Com uma base alimentada por sociedades de concertos de cidades grandes e médias da Europa, Estados Unidos e Canadá, ele divulga anualmente uma pesquisa quantitativa de nomes e atuações mais relevantes do mercado, computando mais de 30 mil performances entre espetáculos de música clássica, ópera e dança.

Graças a este serviço, podemos entender não apenas de curiosidades, como o número de performances de Dimitri Shostakovich (859 em 2017) nestas localidades, mas aferir questões mais específicas, como a quantidade de performances anuais das grandes orquestras do mundo (com algo entre 91 e 135 apresentações, podemos inferir com alguma certeza que nossa OSESP não está no ranking entre as dez mais ativas do mundo por mera falta de visão estratégica das políticas culturais brasileiras neste nicho prestigioso do mercado internacional).

O tema que mais nos aflige no cenário brasileiro é, sem dúvida, o da produção de ópera e ballet. Com performances que se contam pelas dezenas nas instituições mais ativas do mundo, estes gêneros seguem demonstrando toda sua pujança e produtividade (só a Ópera Estatal da Hungria, por exemplo, alcançou o extraordinário número de 239 performances em 2017). Apenas entre nós, mesmo em cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília, a penúria parece ser uma meta: todas somadas, a produção das casas oficiais no país provavelmente não chegariam à metade das produções rankeadas entre as dez mais, como a Ópera da cidade de Frankfurt (cuja população não chega a 800 mil habitantes), com 160 performances/ano.

Co-fundadora do site, Alison Karlin fez um pequeno artigo a respeito dos números, que oferecem informações preciosas, embora não exaustivas, para todos os amantes e profissionais da música clássica no mundo. Fizemos uma tradução livre de seu artigo, que pode ser lido originalmente aqui: https://bachtrack.com/classical-music-statistics-2017.

Não há prêmios para quem chega em segundo lugar. Desculpe, Beethoven, mas o título de “Compositor com mais performances em 2017” voltou para Wolfgang Amadeus Mozart – enquanto os coros de “Aleluia!” serão cantados ao redor do mundo para comemorar que o “Messiah” de Handel retomou sua posição como a obra mais executada.

O banco de dados Bachtrack listou para 2017 um número similar de eventos ao ano anterior, cerca de 32 mil. Você encontrará toda a infografia aqui:

https://bachtrack.com/files/73896-Classical%20music%20statistics%202017-EN.pdf

Quando se olha para o gráfico dos “seis mais executados compositores de concertos”, percebe-se que J. S. Bach tem reduzido a diferença em relação aos dois compositores à frente, Mozart e Beethoven – e será fascinante ver se ele pode assumir alguma posição entre os dois gigantes nos próximos anos. No mesmo gráfico, é possível ver que Brahms e Schubert parecem ter caído no número de obras executadas e agora estão quase parelhos nesta corrida. Abaixo desses seis (com Tchaikovsky), qualquer coisa pode acontecer.

O segundo pelotão é dos compositores que somam entre 700 e 1.130 apresentações anuais, e qualquer um pode ocupar uma posição mais alta em um ano ou outro. Claro, Debussy está chegando ao centenário de sua morte em 2018, e já podemos sentir os efeitos da efeméride, ocupando já a décima segunda posição… O outsider Leonard Bernstein, que já se apresentou no ranking na 43a posição, subiu à 27a em 2017 – seu centenário neste ano pode ainda proporcionar um maior crescimento, embora seja difícil vê-lo chegar entre os 20 mais tocados.

Em 2017, decidimos medir quão patriótico é cada país. Baseamo-nos na correlação entre a quantidade de música de um país tocado fora desse país e a quantidade da mesma música tocada dentro do país. Como exemplo, 6% da música de compositores nascidos na Grã-Bretanha é tocado ao redor do mundo – contra 13% tocado na Grã-Bretanha. Essa porcentagem é aproximadamente a mesma para quase todos os países que analisamos (Estados Unidos, França e Austria). As exceções foram a Alemanha (cuja execução de obras nativas pelo mundo é proporcionalmente, em comparação aos outros países aferidos, maior fora que dentro do país) e Espanha (que ocupa 10,4% da programação de suas salas de concerto com a própria música, um repertório que não alcança sequer 1,2% das execuções fora!). Examinamos apenas os países onde temos concertos suficientes no banco de dados para garantir que nossos resultados sejam precisos.

Um estudo fascinante é o que examina o período mais querido da música de cada país (deixando de fora os Estados Unidos, com pouca música própria antes do século 20). É possível ver enormes diferenças entre a Áustria e o resto do mundo, com maior número de interessados no repertório clássico do que naquele que está sendo composto hoje.

Em 2013, havia apenas uma mulher entre os cem mais ativos regentes de concertos em todo o mundo. Quatro anos depois, há um total de cinco (Joan Falletta, Mirga Gražinyt?-Tyla, Marin Alsop, Xian Zhang, Susanna Mâlkki). Os próximos 5-10 anos devem mostrar um aumento mais significativo, e estaremos acompanhando. A recém-chegada mais notável é Mirga Gražinyt?-Tyla, maestro da Orquestra Sinfônica da City of Birmingham desde 2016 e vencedora do prêmio do jovem regente de Salzburgo (49a posição entre os regentes mais ocupados, ao lado de Marin Alsop).

Olhando para os principais regentes mais ocupados (todos homens, na ordem das dez primeiras posições: Philippe Jordan, Valery Gergiev, Yannick Nézet-Séguin, Sir Antonio Pappano Koen Kessels, Andris Nelsons, Sir Simon Rattle, Paolo Carignani, Jakub Hr?ša e Daniel Barenboim), todos têm mais de 36 anos. Notada a entrada de Jakub Hr?ša (o mais novo e em nona posição, ao lado de Paolo Carignani), agora não apenas regente principal da Sinfônica de Bamberg, mas também regente principal da Philarmonia Orchestra e da Orquestra Sinfônica Metropolitana de Tóquio, além de Regente Convidado Permanente da Filarmônica Tcheca. Realmente não é surpreendente que ele tenha marcado 63 concertos e outras dezoito apresentações em óperas. O homem mais velho no pódio é Herbert Blomstedt, que aparece na nossa lista de maestros mais ativos a cada ano dos últimos 10, e agora é um venerável senhor de 90 anos. Certamente, devemos levantar um brinde a ele em comemoração!

Nós sempre observamos a performance da música contemporânea, onde o compositor com maior número de trabalhos realizados é Arvo Pärt (no 49o lugar no ranking geral), desde 2011. Este ano será o sétimo em que ele mantém o título, mas agora parece que as coisas estão mudando e sua liderança é menos segura do que no passado, com John Williams e John Adams (54a e 53a posições, respectivamente) bem próximos.

É sempre fascinante olhar em nossas estatísticas às obras mais executadas no centro do repertório. Neste ano, há sinais de que alguma música romântica pode estar desaparecendo em importância para ser substituída, principalmente, por uma parte da música da primeira metade do século 20. Quem sabe, talvez o público sempre tenha preferido a música composta há um século? As estatísticas mundiais simplesmente não existiam nesta escala para que possamos verificar isso com exatidão.

Para saber mais

Músicos profissionais e amadores em Viena

https://oestadodaarte.com.br/musica-no-seculo-das-luzes/

https://www.teatrodomundo.com.br/sobre-o-publico-de-opera-na-italia-do-seculo-xviii/

https://www.teatrodomundo.com.br/um-triunfo-de-mozart/

Leandro Oliveira

Leandro Oliveira é autor do livro “Falando de Música: Oito lições sobre música clássica” (editora Todavia, 2020). Tem experiência internacional em transmissões de música clássica, e é responsável pela direção das transmissões da “Maratona Beethoven”. Realizou doutorado com pesquisa na área pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.