Política

O voto das “minorias” para presidente, ou: Pôncio Pilatos

por Tiago Pavinatto

Se Adolf está em todas as rodas de conversa, não poderia estar fora destas trágicas Eleições de 2018.

Presente o espectro de Hitler, as chamadas minorias brasileiras se alvoroçam e acabam representando, fielmente, o papel do séquito sarapintado de jandaias e araras vermelhas homenageando e seguindo o nosso Herói Sem Nenhum Caráter de osso e carne em cujas veias corre sangue etílico; “O Cara” que, mesmo preso, pondo os olhos em Poder, danda pra ganhar vintém.

Porque, de nascença, não temos assento no banquete dos heterossexuais; e porque entendemos que a plumagem das aves de Macunaíma não nos cai bem nem num baile de Carnaval, resolvemos, como sempre nos sugeriu em sala de aula o Professor Celso Lafer, parar para pensar.

E, já que mencionamos nosso Mestre em Filosofia do Direito nas Arcadas, bem como por estarmos, ao lado das mulheres, afrodescendentes e entre os gays (muitos delirando e anunciando que o Führer is in the house), entre a cruz e a caldeirinha nesse segundo turno das eleições para Presidente da Res-surrupiada brasileira, nada mais conveniente do que iniciarmos essa análise de nosso próprio posicionamento político com os escritos de Hannah Arendt sobre a postura dos líderes judeus na Alemanha nazista em capítulo que trata, no seu Eichmann em Jerusalém, da Conferência de Wannsee (capítulo que intitula, alternativamente, de “Pôncio Pilatos”).

Nessa obra, na qual exsurge a teoria da banalidade do mal (teoria esta, justificamos estes parênteses, já profundamente abalada com as recentes e contundentes teses sobre o abuso da metanfetamina, sob o rótulo comercial de “Pervitin”, fornecida pelo Reich a seus soldados), relata que Otto Adolf Eichmann, SS-Obersturmbannführer capturado num subúrbio de Buenos Aires na noite de 11 de maio de 1960, tinha a consciência calma em seu trabalho, porque não havia “ninguém, absolutamente ninguém, efetivamente contrário à solução final”. Não bastasse, o oficial julgado ad hoc contava, ainda, com a ajuda judaica no trabalho administrativo e policial: o agrupamento dos judeus de Berlim, por exemplo, foi feito inteiramente pela polícia judaica.

Para a judia Hannah Arendt, “o papel desempenhado pelos líderes judeus na destruição do seu próprio povo é, sem nenhuma dúvida, o capítulo mais sombrio de toda uma história de sombras”. De fato, para os nazistas,

os funcionários judeus mereciam toda confiança ao compilar as listas de pessoas e de suas propriedades, ao reter o dinheiro dos deportados para abater as despesas de sua deportação e extermínio, ao controlar os apartamentos vazios, ao suprir forças policiais para ajudar a prender os judeus e conduzi-los aos trens, e até, num último gesto, ao entregar os bens da comunidade judaica em ordem para o confisco final. Eles distribuíam os emblemas da Estrela Amarela e, às vezes, como em Varsóvia, ‘a venda de braçadeiras tornou-se um negócio normal; havia as faixas comuns de pano e as faixas especiais de plástico que eram laváveis’.

De tal modo, conclui nossa Filósofa:

A verdade integral era que, se o povo judeu estivesse desorganizado e sem líderes, teria havido caos e muita miséria, mas o número total de vítimas dificilmente teria ficado entre 4 milhões e meio e 6 milhões de pessoas.

Nenhuma leitura seria mais certeira e precisa para a nossa análise.

É assim que grande parcela das minorias cooptadas pela esquerda tem enxergado (por boçalidade?) a outra parte de si mesmas, aquela residual que resolveu virar à direita (bem ou mal, e porcamente): como uma elite dentre os exterminados que colabora ativamente com os exterminadores.

Para um homossexual empoderado ou ilustrado em diretório acadêmico, por exemplo, é inadmissível que outro homossexual vote em Jair Bolsonaro. Votando, incorre no pecado mortal apontado por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém.

Mas não basta, o intolerante do bem, pois aprendera com Che Guevara, o General Ustra colorado, que o sangue derramado com ternura é pimenta em orifício alheio, não admite sequer que seu par natural tome posição neutra, hipótese na qual, inadvertidamente, voltará a Hannah Arendt, mas, agora, empunhando Homens em tempos sombrios. Pode até ser que, neste caso e a despeito do seu desprezo pelo divino celestial, faça coro com Dante e diga que o outro, cônscio Pôncio pilhado em flagrante, está entre os cattivi a Dio spiacenti e a’ nemici sui, os sujeitos desprezados por Deus e pelo Diabo (inimigo seu), presos pela eternidade na entrada do Inferno sob horrendo castigo em desvirtude de sua covardia.

Esse humanista autoritário quer mais: quer o voto em Fernando Haddad, do Partido que partiu os Trabalhadores.

Sua justificativa para tal, contudo e como todo raciocínio que emana de uma mente lavada ou carente de lógica ou matemática, carece de razão: a uma, porque inexistem as circunstâncias dos tempos sombrios do domínio nazista (e, se alguma crítica cabe a Hannah Arendt, é a de que o capítulo mencionado não pode ser intitulado Pôncio Pilatos, uma vez que a ação dos líderes judeus foi ativa, sujando todos as suas mãos) e, a duas, porque, longe de ser um lugar mapeado na geografia metafísica, o Inferno são os outros.

É correto salientar, ainda, que o inimigo nazista sequer existe, pois Jair Bolsonaro, queiram ou não queiram os histéricos, está concorrendo ao cargo abençoado por uma facada e dentro das regras do jogo democrático (o que já não se pode dizer de seu concorrente quando lemos seu Plano de Governo, especialmente no que toca à imprensa).

Eduardo Wolf, editor deste Estado da Arte, já nos presenteou com um ensaio definitivo sobre a inexistência de superioridade moral na escolha de Haddad ou de Bolsonaro (7 de outubro de 2018). Se, à direita, temos um candidato travestido de liberal, mas consciente de seu iliberalismo, consubstanciado elogio a ditaduras, louvor a torturadores, desrespeito sistemático, planejado e continuado às instituições que constituem uma Democracia, à esquerda, temos o PT.

Na esteira do Professor, aqueles que perpetrarão o voto no PT julgam-se moralmente superiores no âmbito de direitos humanos, não aceitando o fato incontestável de que o partido

não foi apenas aliado político de todas a ditaduras de esquerda (ou vagamente populistas e nacionalistas) ao longo de seu período no poder, protagonizando momentos dolorosamente constrangedores para os que defendem os direitos humanos, como foi seu financiador efetivo, articulando Caixa 2, verbas públicas (BNDES) e propinas para alimentar campanhas e governos em Cuba, Venezuela, Nicarágua e ditaduras africanas,

além de defensor ferrenho da “carcomida ditadura bolivariana da Venezuela, uma das maiores tragédias humanitárias em escala global”, bem como irrestrito apoiador do “regime linha dura antissemita, homofóbico e racista de Ahmadinejad no Irã, com suas práticas de execuções de homossexuais enforcados em guindastes e exibidos em locais públicos”.

Ainda não acabou não, tem mais, tem: além dos Governos Lula e Dilma terem sustentado com nosso dinheiro, seu inclusive, militante, alguns dos regimes que mais matam e torturam homossexuais no mundo, o Itamaraty petista expressamente impediu que fossem aprovadas no Conselho de Direitos Humanos da ONU quaisquer resoluções condenatórias das hediondas perseguições de homossexuais em Uganda. Mas você não está nem aí pra existência dele, não é?

Ó, terno militante agressivo: o sangue que corre nas veias de um homossexual iraniano ou sobrevivente às ditaduras efetivamente financiadas com o nosso dinheiro pelo petismo vale menos que o sangue do homossexual brasileiro? A dignidade da mulher brasileira é mais digna que, socorrendo-nos da poesia de Castro Alves, a das negras mulheres suspendendo às tetas magras crianças, cujas bocas pretas rega o sangue das mães, e a de todas as outras moças nuas e espantadas no turbilhão de espectros arrastadas pelo autoritarismo africano? A vida do cubano que morre clamando por liberdade após pedir a ajuda de Lula em visita a Fidel Castro não vale o mesmo que a vida de nossos livres jornalistas?

Que humanismo seletivo é esse? Que existencialismo de meia pataca é esse?

Serias um extremo solipsista, uma vítima de lavagem cerebral ou anencéfala massa de manobra? Ou estarias apenas comprovando que o instinto animal de sobrevivência é superior a qualquer altruísmo? Seria o exercício do velho dito “farinha pouca, meu pirão primeiro”? Sendo este o caso, militante, tu deverias ser comparado aos oprimidos líderes opressores judeus, o que tornaria, parafraseando Hannah Arendt mutatis mutandis, verdade integral o fato de que, se os homossexuais estivessem desorganizados e sem líderes, haveria, decerto, ainda muita intolerância, mas o número total de vítimas dificilmente seria tão grande em escala global. De te fabula narratur.

Vendes, militante, a custo exorbitante, a luta do bem contra o mal, a narrativa engendrada por Lula desde seu primeiro mandato presidencial, uma mentira que o Apedeuto espertalhão, de tanto martelar, tornou verdade.

E nem falaremos da corrupção material, sobre a qual nosso mais ilustre preso, aliás, muito bem poderia discorrer:

‘Embora os juízes deste Estado se sintam satisfeitos com a condenação de nossos atos, a História, essa deusa de uma verdade mais elevada e de uma lei melhor, com um sorriso rasgará essa sentença e declarará todos nós inocentes, isto é, não passíveis de culpa e expiação’.

Sim, ele poderia ser o autor do texto de Adolf Hitler (Minha Luta, Centauro, 2011, p. 508) e tu, militante, endossa.

De todo o exposto, o posicionamento político das minorias, em especial os homossexuais, na escolha do próximo Presidente do Brasil: ao lado dos militantes que, ardorosamente, julgam-se, sem que o sejam, moralmente superiores, vez que, embora enganosamente, humanitários e existencialistas, ao lado deles, estão aqueles que agem como um doente terminal que vai encarar uma quimioterapia intensa e incerta ao invés de se entregar ao câncer certamente fatal ou que, caso não sejam tão dramáticos e porque já se conformaram com a farsa, mais querem asno que lhes carregue que cavalo que lhes derrube.

Mas existe mais um tipo de eleitor dentro das minorias.

Longe das conclusões histéricas e puramente conjecturais ou gravemente deficientes, não vendo superioridade moral, conforme discorremos, em nenhuma das duas escolhas que se apresentam, ergue-se um dos maiores exemplos de tolerância laica da história: Pôncio Pilatos.

“Acabou-se a história e morreu a vitória.” (Mário de Andrade, Macunaíma)

Tiago Pavinatto

Tiago Pavinatto é advogado. Graduado, Mestre e Doutor pela Faculdade de Direito da USP do Largo São Francisco. Coordenador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo (PUC-SP). Autor de “A Condição do Fanático Religioso”.