Poesia

Quatro sonetos franceses dos séculos XVI e XVII

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Quatro sonetos franceses dos séculos XVI e XVII

Renascentistas e barrocos

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O centro de Paris em 1550, por Olivier Truschet e Germain Hoyau

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Traduções de Sergio Duarte

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No século XVI Joachim du Bellay (1522-1560) e Pierre de Ronsard (1524-1585) foram os principais representantes do movimento literário “La Pléiade”, em alusão à brilhante constelação de sete estrelas. Os sete poetas que o formavam pretendiam elevar e renovar a língua francesa culta e afastar-se dos modelos medievais, sob a influência dos renascentistas italianos, no tratamento de temas como o amor, a morte, a natureza e a efêmera passagem do tempo. Abraham de Vermeil (1555-1620) foi nobre da corte do rei Henrique IV e é autor de uma centena de poemas. Vermeil escreveu também uma História de São Luís em versos, que nunca foi publicada e cujo manuscrito desapareceu. Já a poesia de Pierre de Marbeuf (1596-ca.1695) é considerada barroca, com o uso pronunciado de recursos literários como contrastes, antíteses e metáforas. O soneto final transcrito abaixo é uma de suas composições mais conhecidas, devido ao virtuosismo com que desenvolve o tema das semelhanças entre o mar e o amor, utilizando principalmente a aliteração e a assonância entre os vocábulos franceses “mer” e “amer”.

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‘Diane de Poitiers’, François Clouet, 1571

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I

Las! où est maintenant ce mépris de Fortune?

Où est ce cœur vainqueur de toute adversité,

Cet honnête désir de l’immortalité,

Et cette honnête flamme au peuple non commune ?

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Où sont ces doux plaisirs, qu’au soir sous la nuit brune

Les Muses me donnaient, alors qu’en liberté

Dessus le vert tapis d’un rivage écarté

Je les menais danser aux rayons de la Lune ?

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Maintenant la Fortune est maîtresse de moi,

Et mon cœur qui soulait(3) être maître de soi

Est serf de mille maux et regrets qui m’ennuient(4).

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De la postérité je n’ai plus de souci,

Cette divine ardeur, je ne l’ai plus aussi,

Et les Muses de moi, comme étranges, s’enfuient.

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…..(Joachim du Bellay)

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 Onde andará o desdém que o Fado avesso esquece,

O coração que vence toda adversidade,

E esse desejo honesto de imortalidade,

Onde o sincero ardor que o vulgo não conhece?

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Onde o doce prazer que quando a noite desce

As Musas me traziam, quando em liberdade

Eu e elas dançávamos num chão de jade

Aos raios de cristal que a lua às vezes tece?

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Hoje somente o Acaso é meu mestre e patrão,

Não mais dono de si, meu pobre coração

É escravo de mil males e emoções confusas.

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Já da posteridade não busco o favor,

Nem tampouco me anima o divino fervor,

Como estranhas, de mim vão-se afastando as Musas.

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II

Je n’ai plus que les os, un squelette je semble,

Décharné, dénervé, démusclé, dépulpé

Que le trait de la mort sans pardon a frappé

Je n’ose voir mes bras que de peur je ne tremble.

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Apollon et son fils, deus grands maîtres ensemble

Ne me sauraient guérir, leur métier m’a trompé;

Adieu, plaisant Soleil, mon oeil est étoupé,

Mon corps s’en va descendre où tout se désassemble

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Quel ami me voyant en ce point dépouillé

Ne remporte ao logis un oeil triste e mouillé

Me consolant au lit et me baisant la face,

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En essuyant mes yeux par la mort endormis?

Adieu, chers compagnons, adieu, mes chers amis,

J’en vais le premier vous préparer la place.

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…..(Pierre de Ronsard)

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Ossos, nada mais tenho, esqueleto pareço,

Sem músculos, polpa e nervo, descarnado,

Da morte chega a mim o impiedoso chamado,

E se ouso olhar meus braços, de medo estremeço.

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Apolo e o filho seu, mestres de grande apreço

Não podem me curar, por eles fui burlado;

Adeus, amável Sol, tenho o olhar turvado.

Meu corpo já descamba onde não há regresso.

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Que amigo, ao me encontrar a tal ponto acabado,

Não levará consigo o olhar triste emolhado

No leito a consolar-me e o rosto a me beijar,

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E enxugue os olhos meus, na morte adormecidos?

Companheiros, adeus, meus amigos queridos,

Vou primeiro, e preparo assim vosso lugar.

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 III

Je m’embarque joyeux, et ma voile pompeuse

M’ôte déjà la terre et me donne les mers

Je ne vois que le ciel uni aux sillons pers,

C’est le premier état de mon âme amoureuse.

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Puis jê vois s’éléver une vapeur confuse,

Ombrageant tout le ciel qui se fend en éclairs;

Le tonnerre grondant s’anime par les airs;

C’est le second état dont elle est langoureuse.

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Le troisième est le flot hideusement frisé,

Le mât rompu des vents et le timon brisé

Le navire enfrondant, la perte de courage.

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Abattus, rebattus, vomis et avalés,

Le quatrième est la mort entre les flots salés

Bref, mon amour n’est qu’un horrible naufrage.

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…..(Abraham de Vermeil)

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Embarco alegremente, e minha vela airosa

Já me afasta da terra e me oferece o mar;

Na esteira o azul ao verde vem se misturar,

Eis o estado inicial de minh’alma amorosa.

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Depois, vejo surgir uma névoa assombrosa,

Escurecendo o céu que os raios vêm riscar;

A trovoada ruge e se alastra pelo ar,

E esse segundo estado a torna receosa.

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O terceiro é o horror do oceano enraivecido,

Despedaçado o mastro, o leme destruído,

E o barco soçobrando em tétrico presságio.

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O quarto, enfim, é a morte entre as vagas salgadas,

Que se erguem sem cessar, repelidas, tragadas;

Meu amor não é mais que um horrível naufrágio.

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IV

Et la mer et l’amour ont l’amer pour partage,

Et la mer est amère, et l’amour est amer,

L’on s’abîme en l’amour aussi bien qu’en la mer,

Car la mer et l’amour ne sont point sans orage.

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Celui qui craint les eaux, qu’il demeure au rivage,

Celui qui craint les maux qu’on souffre pour aimer,

Qu’il ne se laisse pas à l’amour enflammer,

Et tous deux ils seront sans hasard de naufrage.

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La mère de l’amour eût la mer pour berceau,

Le feu sort de l’amour, sa mère sort de l’eau

Mais l’eau contre ce feu ne peut fournir des armes.

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Si l’eau pouvait éteindre un brasier amoureux,

Ton amour qui me brûle est si fort douloureux,

Que j’eusse éteint son feu de la mer de mes larmes.

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…..(Pierre de Marbeuf)

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O mar e o amor partilha o mesmo amargor:

Gosto amaro há no amor, como há também no mar;

No amor, como no mar, pode-se naufragar,

Por rugem tempestades no mar e no amor.

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Quem tem medo das ondas, que não ouse entrar,

E quem teme de amar a inevitável dor,

Que evite da paixão o inebriante ardor;

Ambos, assim, jamais poderão soçobrar.

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Da deusa mãe do amor o mar foi berço seu;

O fogo vem do amor, vênus da água nasceu

Mas esse fogo a água não pode abolir.

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Mas se a água apagasse um braseiro amoroso,

Talvez do teu amor o fogo doloroso

O mar de minha lágrimas possa extinguir.

Cimetière des Saints-Innocents, c. 1550

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Sergio Duarte

Sergio Duarte é embaixador, ex-Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento, Presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais.