O Grande Teatro do Mundo

Ecos da Era do Jazz, por F. Scott Fitzgerald

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Os ecos da Era do Jazz por F. Scott Fitzgerald, aos 35 anos — dois após a grande quebra de Wall Street e cinco antes de sua morte, em plena Lei Seca. Nova York, 1931.

Tradução de Marcelo Consentino.

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Carter and King Jazzing Orchestra, 1921

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É cedo para escrever sobre a perspectiva da Era do Jazz, e sem a suspeita de esclerose precoce. Muitas pessoas ainda sucumbem a uma ânsia violenta quando se deparam com qualquer um de seus jargões e palavras características — palavras que desde então proveram vivamente o linguajar do submundo. Está tão morta quanto estavam os “Yellow Nineties”, em 1902. Ainda assim este escritor já olha para trás com saudade. Ela o aturou, o bajulou e lhe deu mais dinheiro do que jamais sonhou, simplesmente por contar às pessoas que ele sentia como elas, que algo deveria ser feito com tanta energia acumulada e não descarregada na Guerra.

O período de dez anos que, como se relutasse em morrer definhava em sua cama, precipitado a uma morte espetacular em Outubro de 1929, se iniciou na época dos tumultos do Dia do Trabalho de 1919. Quando a polícia enxotou aqueles rapazes interioranos deixando boquiabertos os oradores na Madison Square, foi uma espécie de medida destinada a alienar os jovens mais inteligentes da ordem estabelecida. Nós não lembrávamos nada da Declaração dos Direitos civis até que [o jornalista H.L.] Mencken começasse a nos despertar, mas sabíamos que esse tipo de tirania era coisa das republiquetas irrequietas do Sul da Europa. Se empresários do tipo “fígado de ganso” tinham esse efeito sob o governo, então talvez realmente tivéssemos ido para a guerra só para recuperar os empréstimos de J.P. Morgan. Mas, porque estávamos cansados das Grandes Causas, não houve mais do que uma ligeira irrupção de indignação moral, tipificada nos Três soldados de [John] Dos Passos. Na época, começávamos a receber nossas fatias do bolo nacional e nosso idealismo só se incendiou quando os jornais desfilaram seus melodramas em histórias como [o escândalo financeiro] do [presidente] Harding e sua gangue [de políticos e industriais] de Ohio ou [o julgamento] de Sacco e Vanzetti[, os anarquistas]. Os eventos de 1919 nos deixaram cínicos mais do que revolucionários, apesar do fato de que agora estávamos todos remexendo nossos baús e nos perguntando onde deixáramos nossos gorros de libertários — “Tenho certeza que tinha um” — e nossa jaqueta mujique. Era característico da Era do Jazz não ter qualquer interesse em política.

Foi uma época de milagres, foi uma época de arte, foi uma época de excesso, e foi uma época de sátira. Um pernóstico reacionário[, Woodrow Wilson], emaranhado em chantagens com a maior naturalidade, sentou-se no trono dos Estados Unidos; um rapaz estiloso [o príncipe Edward] apressou-se em representar para nós o trono da Inglaterra. Um mundo de garotas ansiavam pelo rapaz inglês; o velho americano roncava à espera de ser envenenado por sua mulher sob as ordens da Rasputin feminina que então tomou a sua última decisão em nossas questões nacionais. Mas aparte tais questões, as coisas iam finalmente no nosso caminho. Com americanos comprando ternos às dúzias em Londres, os alfaiates de Bond Street forçosamente consentiram em moderar seu corte conforme as cinturas e o gosto mais folgado dos americanos, e algo sutil passou para a América, o estilo do homem. Durante o Renascimento, Francisco Io [da França] se inspirava em Florença para depilar suas pernas. A Inglaterra do século dezessete macaqueou a corte da França, e há cinquenta anos os oficiais da Guarda Alemã compravam suas roupas civis em Londres. Roupas de gentlemen — símbolo do “poder que o homem deve manter e que passa de raça a raça.”

Nós éramos a nação mais poderosa. Quem poderia continuar nos dizendo o que estava na moda e o que era divertido? Isolados durante a guerra europeia, havíamos começado a combinar o Sul e o Oeste desconhecidos nos costumes e passatempos, e havia mais ao alcance da mão.

A primeira revelação social criou uma sensação sem proporções à sua novidade. Já em 1915 os adolescentes das cidades menores haviam descoberto a privacidade móvel do automóvel dado ao jovem Bill aos dezesseis para fazê-lo mais “autoconfiante.” No início, as carícias eram uma aventura desesperada mesmo em condições tão favoráveis, mas na época começaram as trocas de confidências e o velho mandamento caiu por terra. Já em 1917 havia referências a doces e casuais namoricos em qualquer edição do Yale Record ou do Princenton Tiger.

Mas a carícia em suas manifestações mais audazes estava confinada às classes altas — entre os demais rapazes o velho padrão prevaleceu até o fim da Guerra, e um beijo implicava a expectativa de uma proposta, coisa que muitos jovens oficiais em cidades insólitas logo descobririam para sua consternação. Somente em 1920 o véu finalmente caiu — a Era do Jazz florescera.

Mal os cidadãos mais maçantes da república recuperaram o fôlego, e a mais selvagem de todas as gerações, a geração que fora adolescente durante a confusão da Guerra, bruscamente empurrou meus contemporâneos pra fora e dançou sob a luz da ribalta. Esta foi a geração cujas garotas dramatizaram a si mesmas como as melindrosas flappers, a geração que corrompeu seus anciãos e finalmente ludibriou-se a si mesma menos por falta de moral do que por falta de gosto. Que sirva de prova o ano de 1922! Esse foi o pico da geração mais jovem, pois ainda que a Era do Jazz tenha prosseguido, tornou-se cada vez menos um negócio da juventude.

A sequência foi como um teatrinho infantil levado à cabo pelos adultos, deixando as crianças perplexas e bastante negligenciadas ou pior, rejeitadas. Por volta de 1923 os velhos, cansados de olhar o carnaval com uma inveja velada, descobriram que a bebida nova tomaria o lugar do sangue novo, e com um berro a orgia começou. A jovem geração já não era mais a estrela.

Toda uma raça se tornando hedonista, elegendo o prazer. As intimidades precoces da jovem geração teriam vindo à tona com ou sem a Lei Seca — elas estavam implícitas na tentativa de adaptar os costumes ingleses às condições americanas. (Nosso Sul, por exemplo, é tropical e precoce — jamais foi parte da sabedoria da França ou da Espanha deixar as meninas andarem desacompanhadas aos dezesseis e dezessete). Mas a opção geral pela diversão que começou com as cocktail parties de 1921 tinha origens mais complicadas.

A palavra “jazz” em seu progresso rumo à respeitabilidade significava antes de mais nada, sexo, depois dança, depois música. É associada a um estado de estímulo nervoso, não como aquele das grandes cidades atrás das trincheiras de uma guerra. Para muitos ingleses a Guerra ainda não terminou porque todas as forças que os ameaçam ainda estão ativas — Portanto, comamos, bebamos e sejamos felizes, pois amanhã morreremos. Mas causas diferentes haviam desencadeado agora um estado correspondente na América — embora houvesse classes inteiras (pessoas acima dos cinquenta, por exemplo) que gastaram toda uma década negando a sua existência, mesmo quando a sua cara endiabrada espreitava o círculo familiar. Eles jamais sequer sonharam o quanto contribuíram para isso. Os cidadãos honestos de todas as classes, que acreditavam numa moralidade pública estrita e eram suficientemente poderosos para aplicar a legislação necessária, não sabiam que empregariam inevitavelmente os serviços de criminosos e charlatães, e não acreditam realmente ainda hoje. Os ricos íntegros sempre foram capazes de empregar servos honestos e inteligentes do estoque dos ex-escravos ou dos cubanos, e assim, quando essa tentativa colapsou, nossos velhos se mantiveram firmes com toda a teimosia das pessoas envolvidas numa causa periclitante, preservando sua integridade e perdendo seus filhos. Mulheres de cabelos prateados e homens com faces belas e antigas, pessoas que jamais cometeram conscientemente uma desonestidade em suas vidas, ainda afirmam umas às outras em saguões de hotel de Nova York e Boston e Washington que “há toda uma geração crescendo que jamais saberá o sabor do álcool.” Enquanto isso, suas netas passam de mão em mão cópias bem manuseadas de O Amante de Lady Chatterley por trás da diretoria da escola e as mais espertas sabem o sabor do gim ou do malte aos dezesseis e dezessete. Mas a geração que chegou à sua maturidade por volta de 1875 e 1895 continua a acreditar no que quer acreditar.

Até as gerações intermediárias eram incrédulas. Em 1920 [o jornalista] Heywood Broun anunciou que toda essa celeuma era um nonsense, que os rapazes não beijavam mas bravateavam mesmo assim. Porém muito rapidamente pessoas acima dos vinte e cinco vieram para uma educação intensiva. Permita-me apontar algumas das revelações que lhes foram outorgadas através de uma dúzia de livros escritos para vários tipos de mentalidade durante essa década. Começamos com a sugestão de que Don Juan leva uma vida interessante (Jurgen, 1919); então aprendemos que há muito sexo por aí sob nossos narizes (Winesburg, Ohio, 1920) que adolescentes levam vidas bastante amorosas (Este Lado do Paraíso, 1920), que há muitas palavras anglo-saxãs negligenciadas (Ulysses, 1921), que pessoas mais velhas nem sempre resistem às tentações repentinas (Cytherea, 1922), que meninas muitas vezes são seduzidas sem se arruinarem (Juventude Ardente, 1922), que mesmo o estupro pode às vezes acabar bem (O Sheik, 1922), que glamorosas damas britânicas são com frequência promíscuas (O Chapéu Verde, 1924), que de fato elas devotam a maior parte de seu tempo a isso (O Vortex, 1926), e que é uma coisa boa demais (O Amante de Lady Chatterley, 1928), e, finalmente, que há variações anormais (O Poço da Solidão, 1928, e Sodoma e Gomorra, 1929).

Na minha opinião, os elementos eróticos nestes romances, mesmo no Sheik escrito para crianças na chave de Peter o coelhinho, não continham nem uma partícula de ameaça. Tudo o que eles descreviam, e muito mais, era familiar em nossa vida contemporânea. A maior parte era honesta e elucidativa — seu efeito era o de restaurar alguma dignidade ao homem em oposição ao machão, ao “he-man” na vida americana. (“E o que é um ‘Machão’?” perguntou certa vez Gertrude Stein. “Já não é uma missão suficientemente grande preencher as dimensões de tudo aquilo que ‘um homem’, ‘um macho’ significou no passado? Um ‘machão’, ‘he-man’!”) A mulher casada agora pode descobrir se está sendo traída, ou se o sexo é simplesmente algo a ser suportado, e sua compensação deveria ser estabelecer uma tirania do espírito, como a sua mãe talvez já tenha insinuado. Talvez muitas mulheres tenham descoberto que o amor deve ser divertido. De todo modo, os antagonistas foram derrotados em sua pequena contenda espalhafatosa, e essa é uma das razões pelas quais nossa literatura é hoje a mais pulsante em todo o mundo.

Contrariamente à opinião popular, os filmes da Era do Jazz não tiveram qualquer efeito em seus costumes. A atitude social dos produtores era tímida, atrasada e banal — por exemplo, nenhum filme espelhou sequer de longe a jovem geração até 1923, quando as revistas já haviam começado a celebrá-la e ela deixara há muito tempo de ser notícia. Escaparam só uns poucos e ligeiros perdigotos e então Clara Bow estrelando Juventude Ardente; imediatamente os picaretas de Hollywood precipitaram o tema em sua tumba cinematográfica. Ao longo da Era do Jazz os filmes não foram além de [uma personagem como] a senhorita Jiggs, dando continuidade às suas mais flagrantes superficialidades. Isso foi sem dúvida um resultado da censura bem como das condições inatas da indústria. De todo modo, a Era do Jazz agora avançava por seu próprio poder, servida por grandes postos de abastecimento repletos de dinheiro.

As pessoas acima dos trinta, as pessoas a caminho dos cinquenta, haviam entrado na dança. Nós de barbas grisalhas nos lembramos do rebuliço quando em 1912 as avós acima dos quarenta lançaram longe suas muletas e tomaram aulas no Tango ou no Castle-Walk. Alguns anos mais tarde uma mulher podia pôr na mala seu Chapéu Verde [como mulher fatal do romance] e, levando junto seus outros apetrechos, zarpar para a Europa ou Nova York, mas Savonarola estava ocupado demais flagelando cavalos mortos em estábulos hercúleos tirados de sua cabeça para se dar conta. A alta sociedade, mesmo nas cidades pequenas, agora jantava em salas separadas, e a mesa mais sóbria ouvia coisas sobre a mesa mais alegre somente de orelhada. Haviam restado pouquíssimas pessoas nas mesas sóbrias. Uma de suas glórias passadas, as meninas menos cobiçadas que haviam se resignado a sublimar um provável celibato, toparam com Freud e Jung buscando sua recompensa intelectual e voltaram furiosas para a briga.

Por volta de 1926 a preocupação universal com o sexo se tornara um estorvo. (Eu me lembro de uma jovem mãe perfeitamente contente e bem casada perguntando à minha mulher conselhos sobre “como ter um caso imediatamente”, embora não tivesse ninguém concretamente em vista, “porque você não acha um tanto indigno quando se deixa pra muito depois dos trinta?”) Por um tempo, discos contrabandeados de Negros, com seus eufemismos fálicos, tornaram tudo sugestivo, e simultaneamente veio uma onda de peças eróticas — meninas colegiais fizeram fila para ouvir sobre o romance de ser uma lésbica e [o dramaturgo] George Jean Nathan protestou. Então uma jovem produtora perdeu completamente a cabeça, entornou água do banho de beleza alcóolica e acabou na penitenciária. De algum modo sua patética tentativa de romance pertence à Era do Jazz, enquanto sua contemporânea na prisão, Ruth Snyder [condenada por assassinar o marido], teve de ser içada até ela pelos tabloides — ela estava, como o Daily News sugeriu deliciosamente aos gourmets, pronta para “cozinhar, e chiar, E FRITAR!” na cadeira elétrica.

Os elementos alegres da alta sociedade dividiram-se em duas correntes principais, uma fluindo rumo a Palm Beach e Deauville, e a outra, muito menor, rumo ao verão da Riviera. Podia-se ganhar mais na Riviera, e seja lá o que aconteceu tinha algo a ver com arte. De 1926 até 1929, os grande anos do cabo d’Antibes, esta esquina da França foi dominada por um grupo bastante diferente daquela alta sociedade americana dominada pelos europeus. Aconteceu bem um pouco de tudo em Antibes — em 1929, no mais esplêndido paraíso para nadadores no Mediterrâneo ninguém nadou mais, salvo por um mergulhinho pra curar a ressaca no fim da tarde. Isso era sinal de que algo estava acontecendo na sua própria terra — os americanos estavam amolecendo. Havia sinais por toda parte: ainda ganhamos os jogos Olímpicos mas com campeões cujos nomes tinham poucas vogais — equipes compostas, como os lutadores da companhia irlandesa [da universidade] de Notre Dame, com o sangue fresco de ultramar. Uma vez que os franceses passaram a se interessar, a Copa Davis [de tênis] gravitou automaticamente para a sua intensidade na competição. Os lotes vagos nas cidades do meio-oeste estavam construídos agora — exceto por um curto período na escola, não estávamos nos tornando, no fim das contas, um povo atlético como os Britânicos. A lebre e a tartaruga. Evidentemente, se o quiséssemos poderíamos sê-lo num minuto; ainda tínhamos todas aquelas reservas de vitalidade ancestral, mas um certo dia em 1926 olhamos para baixo e vimos braços flácidos e uma barrigona e não podíamos fazer “boop-boop-a-doop” para um siciliano. Sombras de Van Bibber! [o grande jogador de futebol] — nenhum ideal utópico, Deus sabe. Mesmo o golfe, outrora considerado um jogo efeminado, parecia então muito cansativo — uma forma desvirilizada apareceu e se mostrou certa.

Em 1927 uma neurose difundida começou a ficar notória, levemente sinalizada, como uma batida nervosa dos pés, pela popularidade dos jogos de palavras cruzadas. Lembro-me de um colega expatriado abrindo uma carta de um amigo em comum, instando-o a voltar para casa e ser revitalizado pelas árduas e tonificantes qualidades do solo nativo. Era uma carta forte e nos afetou a ambos profundamente, até nos darmos contas do endereço no cabeçalho: um sanatório na Pensilvânia.

Nessa época, alguns contemporâneos meus começaram a desaparecer nas entranhas obscuras da violência. Um colega de classe matou sua esposa e a si mesmo em Long Island, outro tropeçou “acidentalmente” de um arranha-céu na Filadélfia, outro propositalmente de um arranha-céu em Nova York. Um foi morto numa espelunca em Chicago; outro foi massacrado numa espelunca em Nova York e rastejou para casa até o Princenton Club para morrer; outro ainda teve seu crânio estraçalhado pelo machado de um maníaco em um hospício onde estava confinado. Estas não foram catástrofes que tive de procurar fora do meu caminho — foram amigos meus; além disso, estas coisas aconteceram não durante a depressão, mas durante o boom.

Na primavera de 1927, algo fulgurante e estranho rasgou o céu. Um jovem [aviador] de Minessota[, Charles Lindbergh,] que parecia não ter nada a ver com a sua geração fez uma coisa heroica [atravessando pela primeira vez o Atlântico], e por um momento as pessoas repousaram seus copos nos country clubs e espeluncas e pensaram nos seus velhos e melhores sonhos. Talvez houvesse como fugir voando, talvez nosso sangue incansável pudesse encontrar fronteiras no ar ilimitado. Mas naquele momento estávamos todos totalmente comprometidos; e a Era do Jazz continuou; queríamos mais uma dose.

Mesmo assim, os americanos estavam vagando ainda mais longe — muitos amigos pareciam eternamente inclinados à Rússia, Pérsia, Abissínia e África Central. E em 1928 Paris se tornou sufocante. A cada novo carregamento de americanos expelidos pelo boom a qualidade caia, até que, perto do fim, havia algo sinistro a respeito daqueles cargueiros insanos. Eles já não eram mais os simples papai e mamãe e filho e filha, infinitamente superiores em suas qualidades de gentileza e curiosidade do que sua classe correspondente na Europa, mas neandertais fantásticos que acreditavam em algo, algo vago, alguma recordação de um romance bem barato. Lembro-me de um italiano num barco a vapor que perambulava pelo convés vestido num uniforme de reservista americano e puxando briga num inglês todo quebrado com americanos que criticavam suas próprias instituições no bar. Lembro-me de uma judia gorda, incrustada de diamantes, que se sentou atrás de nós no Balé russo e disse ao se abrirem as cortinas, “Esto é adorrável, elis debian bintar um quadrro disso.” Isto era uma comédia de quinta, mas era evidente que o dinheiro e o poder estavam caindo nas mãos de pessoas em comparação com as quais o líder de um vilarejo soviético seria uma mina de ouro de lucidez e cultura. Havia cidadãos viajando suntuosamente em 1928 e 1929, que, na distorção de sua nova condição, tinham o valor humano de pequineses, ostras, cretinos e bodes. Lembro-me de um juiz de algum distrito de Nova York que havia levado a sua filha para ver a exibição das Tapeçarias de Bayeux e armou um quiproquó nos jornais advogando sua censura porque uma das cenas era imoral. Mas naqueles dias a vida era como a corrida de Alice no País das Maravilhas, com prêmios para todos.

A Era do Jazz teve uma juventude selvagem e uma vida adulta inebriante. Houve a fase das festas do cabide, o caso de Leopold e Loeb [os dois garotos ricos que assassinaram um menino de 14 anos para provar sua superioridade intelectual sobre a moral estabelecida] (lembro-me que minha mulher foi presa certa vez na ponte de Queensborough sob a suspeita de ser a famosa “Bandida do Cabelo Chanel”) e houve ainda os cartuns de John Held. Na segunda fase tais fenômenos como sexo e homicídio tornaram-se mais maduros, ainda que muito mais convencionais. A meia-idade tem de ser servida e saiões chegaram à praia para salvar as coxas gordas e as panturrilhas flácidas das competições com o maiô de uma peça. Finalmente vieram as batas e tudo foi escondido. Todos estavam zerados agora. Vamos em frente!

Mas isso não aconteceria. Alguém meteu os pés pelas mãos e a orgia mais cara da história acabou.

Acabou há dois anos, porque a confiança absoluta que era seu combustível essencial recebeu um imenso baque, e não demorou muito para toda aquela estrutura precária cair por terra. E passados dois anos a Era do Jazz parece tão distante quanto os dias antes da Guerra. Era um tempo emprestado de qualquer jeito — todo o topo da pirâmide de uma nação vivendo com a leviandade de grandes duques e a inconsequência de vedetes. Mas bancar o moralista é fácil agora e era agradável estar nos seus vinte anos numa época tão convicta e despreocupada. Mesmo quando estávamos quebrados não nos preocupávamos com dinheiro, tamanha era a sua profusão ao nosso redor. Já perto do fim, pagava-se a duras penas a sua parte na conta; era quase um favor aceitar a hospitalidade que requeresse algum tipo de viagem. Charme, notoriedade, simples boas maneiras pesavam mais do que o dinheiro como um capital social. Isso era simplesmente esplêndido, mas as coisas estavam definhando cada vez mais à medida que os valores humanos eternos e necessários tentavam se difundir por toda essa expansão. Escritores eram gênios pela força de um livro ou peça respeitável; assim como durante a Guerra oficiais com quatro meses de experiência comandaram centenas de homens, assim havia agora muitos peixes pequenos soberanos em imensos aquários. No mundo teatral produções extravagantes eram protagonizadas por um punhado de estrelas de segunda categoria, e assim por toda a escala social até a politica, onde era difícil atrair bons homens para as posições da mais alta importância e responsabilidade, importância e responsabilidade que excediam em muito àquelas dos empresários e executivos, mas que pagavam só quinhentos ou seiscentos dólares por ano.

Agora, mais uma vez, o cinto foi apertado e fazemos, como se deve, uma cara de horror ao olhar de volta para a nossa juventude desperdiçada. Algumas vezes, contudo, há um rumor fantasmagórico entre os tambores, um sussurro asmático nos trombones que me jogam novamente ao início dos anos vinte, quando bebíamos álcool destilado de madeira e todo dia de todos os modos éramos melhores, sempre melhores, e houve um primeiro e abortivo encurtar das saias, e as meninas pareciam todas iguais vestidas com seus suéteres, e pessoas que você não queria conhecer diziam [como na música] “Yes, we have no bananas,” e parecia só uma questão de um punhado de anos até que os velhos saíssem de cena e deixassem o mundo ser guiado por aqueles que viam as coisas como elas realmente são — e tudo parece rosado e romântico para nós que éramos jovens então, porque jamais sentiremos emoções assim tão intensas sobre aquilo que nos cerca novamente.

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Scott e Zelda Fitzgerald

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 Publicado originalmente n’O Grande Teatro do Mundo.

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Tradução: Marcelo Consentino
Original“Echoes of the Jazz Age” em Scribner’s Magazine, vol. XC, n. 05, novembro de 1931.

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