Filosofia

G.K. Chesterton, ou ‘Como não filosofar com o porrete’

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G.K. Chesterton, ou Como não filosofar com o porrete

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O sorriso de Gilbert Keith

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por Arthur Grupillo

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“I’ll eat my hat”, deixou escapar o Coronel Crane. Fizera, sem perceber, um voto precipitado. Este é o mote do primeiro dos Contos do arco longo, de G.K. Chesterton. Ele já havia escrito um ensaio “Em defesa dos votos precipitados”. Desta vez, contava a história de um homem dizendo súbita e religiosamente a um amigo que, se este fizesse certa coisa declarada impossível, ele comeria o próprio chapéu. Expressão comum em inglês, que se tornou popular depois de aparecer nos populares Pickwick Papers, de Charles Dickens, onde provavelmente Chesterton a encontrou junto a outras peripécias impagáveis envolvendo chapéus, como a famosa cena em que o Sr. Pickwick experimenta uma das aflições mais ridículas da vida de um homem, que é correr atrás do seu chapéu enquanto o terrível objeto dá cambalhotas ao vento. Esta cena, teórica e pickwickianamente elaborada em outro ensaio de Chesterton, “Sobre correr atrás do próprio chapéu”, é muitas vezes citada, embora por leitores de Chesterton que nunca passaram as vistas em Dickens, mas pelo menos alguns deles nunca passaram as vistas em Chesterton.

Mas falávamos do voto precipitado do coronel, que teve então, para poder cumprir a palavra, a brilhante ideia de usar um repolho na cabeça. Afinal, seria impossível comer um chapéu, mas seria sobejamente possível usar como chapéu algo que pudesse comer. Tenho de pedir a paciência do leitor para este cumprido nariz de cera, mas prometo que ele revela — eis o meu próprio voto precipitado — a primeira coisa mais importante sobre a filosofia e a literatura deste afamado escritor inglês. Pois ocorre com o coronel, rodeado pela gente do seu bairro, o mesmo que ocorreu com Chesterton, rodeado por intelectuais e artistas “modernos”, o que explica bastante de sua atitude para com a nossa época, possivelmente o tema mais recorrente de sua obra. Explica também porque ele deixa a impressão de ser um autor politicamente conservador, mas explica ainda mais porque nenhuma designação poderia ser mais imprecisa. Pois pode até ser considerado conservador, para um observador superficial, um homem que vai à missa das onze, mas dificilmente pode ser considerado conservador um homem que põe um repolho na cabeça e vai à missa das onze.

Chesterton é um apologista, o que significa que defende algo, e é também um polemista, o que significa, etimologicamente, que ataca muitas coisas. E tudo aquilo contra o que ele se levantou e contra o que escreveu a vida inteira, podemos dizer, foi o modo como as pessoas se comportaram diante daquele excêntrico acessório. O jovem ambicioso preferiu não expressar sua estranheza, pois o coronel era uma pessoa que conhecia pessoas, e aquilo bem podia ser uma tendência, uma moda, e não era bom ele ser visto como alguém que não sabia disso. Na verdade, toda a vizinhança se portou assim. Mas foi o Sr. Vernon-Smith quem mais se empertigou no íntimo com a coisa toda. Sua prima, estudante de artes mais entusiasmada com artistas de rua do que com os membros da Royal Academy, foi a única que teve a honestidade de mencionar o fato óbvio, enquanto o primo se limitava a repreendê-la na frente do coronel: “Eu gostaria que aqueles seus amigos não lhe dessem essas ideias revolucionárias”, diz ele, certo de que o coronel, apesar do curioso gosto por chapéus, compartilhava seu horror aos vegetarianos e socialistas. Mas o coronel acabava de se afeiçoar à garota, no exato instante em que desprezava o rapapé do vizinho.

É um aspecto muitas vezes menosprezado da biografia de Chesterton o fato de ele ter sido um artista plástico frustrado, mas frustrado especialmente com a atmosfera decadentista e pessimista da Slade School of Art, que decidiu frequentar em vez da universidade. Essa atmosfera formou toda a visão que o escritor tinha da modernidade e suas instituições, a arte moderna, a educação moderna ou a política moderna, a que ele não poupava críticas precisamente por seu pedantismo, hipocrisia e falta de honestidade. Mas essas coisas, para colocar o leitor de cabeça para baixo, se podem ver em todos os vizinhos, menos na jovem artista. E se podem ver nos maiores críticos do socialismo, principalmente os que praticam a bajulação e o capachismo argumentativo. Pois não se trata, nunca jamais, de pertencer a um grupo e repetir seus gritos de papagaio, mas de dizer o que se pensa e, mais ainda, o que se vê.

Não importava ao Coronel Crane, como não importa a Chesterton, de que lado alguém está, se se desmancha em salamaleques ou adoça a boca dos que acredita estar ao seu lado nas trincheiras. A única coisa que importa é a honestidade e a verdade. Fosse ele um defensor da “alta cultura” e teria se sentido mal ao ver honestidade na garota que prefere os desenhistas de pavimento. Fosse ele um anticomunista de WhatsApp e não teria sido amigo e profundo admirador do tão vegetariano quanto fabiano Bernard Shaw, em quem prezava sobretudo a consistência, que ele qualificou cabralinamente de “terrível qualidade da máquina”. E aqui temos, penso eu, a segunda coisa mais importante sobre Chesterton, que é apenas a única coisa importante sobre Shaw.

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George Bernard Shaw, Hilaire Belloc, e G. K. Chesterton

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Se Shaw falava contra ilegalidades, era fiel e justo para repugnar tanto a ilegalidade dos socialistas quanto a dos individualistas. Se apontava contra o patriotismo, era firme o suficiente para antipatizar tanto com o patriotismo dos boêres quanto com o dos ingleses. Se investia contra a autoridade, não hesitava em disparar igualmente contra a autoridade dos sacerdotes e contra a dos cientistas. Seu padrão nunca mudava. “O que revolucionários”, escreve Chesterton, “e conservadores pobres de espírito realmente odeiam (e temem) nele é exatamente isso, os pratos de sua balança são mantidos em equilíbrio e sua lei é justamente aplicada”. Podem-se objetar-lhe os princípios, mas de modo nenhum como ele os aplica. Shaw não salta por argolas nem faz malabarismo com as razões, como os políticos modernos. E apesar de partir de princípios diametralmente opostos aos de Shaw, o método de Chesterton é rigorosamente o mesmo. Pois, e esta é a terceira coisa mais importante sobre Chesterton, apesar de ser um defensor de muitas coisas, sobretudo do cristianismo, não estava disposto a defender qualquer coisa. Sabia bem que, antes de atacar a religião, o moderno pessimista tentaria primeiro atacar a razão.

É uma outra frase sua constantemente citada a que diz o seguinte: “O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão”. Mas citações são um problema se são poucas. De fato, a razão no vazio é a prisão da mente tanto quanto a cela do lunático. A imaginação e a poesia salvam o homem, não por lhe transportar ao mundo dos sonhos, mas porque lhe abre os olhos para este mundo. O que falta ao racionalista é o sentido para as coisas maravilhosas, como de fato elas são. Sabemos que os rios correm cheios de água porque as chuvas alimentam as nascentes, mas jamais saberemos porque tinha de ser assim. É apenas uma sutileza filosófica dizer que as leis da natureza são certamente universais, mas não são necessárias. E poder maravilhar-se com os rios correndo dourados nos contos de fada é poder maravilhar-se com eles correndo cheios de água. A criança de sete anos se admira com o fato de ver um tubarão num grande aquário, mas a criança de três anos se admira com o fato de existir um aquário em algum lugar. Aquele que não se faz criança não só não entra no reino dos céus como não entra nem mesmo no reino da Terra. Mas esta crítica do racionalismo está longe de ser uma crítica da razão.

É antes uma defesa dela. Chesterton é tomisticamente esperto para saber que a razão é um ato do intelecto que acompanha imediatamente o reconhecimento de algo. Ao olhar para a xícara de café à minha frente, sei imediatamente que ela não é outra coisa, por exemplo, o próprio café. Só de olhar esta xícara já compreendo todo o princípio de não-contradição que o Filósofo formulou no livro gama da Metafísica. Mas às vezes os que gostam de dizer que finalmente chegou o dia em que temos que provar ao mundo que a grama é verde são os mesmos que já não ligam para o fato de que é impossível que algo simultaneamente pertença e não pertença a algo sob o mesmo aspecto, o mais elementar princípio da razão sem o qual, eles não sabem, a grama nem pode ser verde nem coisa nenhuma. O erro dos racionalistas é descolar a razão da realidade, mas o filósofo cristão reconhece a autoridade da fé tanto quanto a dos sentidos e, especialmente, a da razão.

Afinal de contas, Deus não pode fazer, nem mesmo querer, que o impossível matemático seja possível. Não pode fazer com que dois e dois sejam nove. Na verdade, não pode fazer nem mesmo essa conta como uma composição, de tão exato e real que é o seu intelecto. Mas isso está longe de ser um racionalismo pelo simples motivo de que a ação de Deus, ensina-nos Tomás, “não pode dirigir-se senão principalmente ao ente e não, consequentemente, ao não ente. E, por isso, não pode fazer que a afirmação e a negação sejam, simultaneamente, verdades”. Deus é um lógico implacável, e com essa lógica criou o mundo. Essa lógica lhe é tão inerente que, digamos, seja um Filho seu. E tentar defender Deus subvertendo a lógica, não temo dizer, é defender o demônio.

Mesmo nos contos de fada, as quatro pernas de um unicórnio mais seu chifre solitário somam cinco coisas. Isto é necessário, e não só universal. E é essa profunda sensibilidade lógica, mas que não flutua no vazio como um balão e está sempre amarrada à existência, que Chesterton exercitou sofisticadamente nos seus romances policiais. É uma capacidade de investigação e dedução que se atém unicamente aos fatos. Deus também não é um negacionista. E tampouco Chesterton o foi, embora possa ter errado a respeito de muitas coisas, por exemplo, da moderna medicina preventiva.

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Chesterton por Max Beerbohm

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Às vezes acordo no meio da noite com medonhos pesadelos. Num deles o gordo se transforma num gigante, depois numa montanha de frases soltas se desmanchando na mão de entusiastas pouco críticos, e no final desaparece. Num outro ele está sentado no chão de estrelas de uma sala esfumaçada, enquanto alguns se consultam com ele como quem vai a um guru ou astrólogo. Ainda bem que são só pesadelos, e logo me convenço de que isso seria impossível, afinal, tudo que ele diz é indissociável de como diz, e de porque diz. Sua filosofia do maravilhamento não resulta senão na humildade do verdadeiro homem de ciência, a descobrir coisas por acaso, como Darwin, que não era nenhum neoateu militante. Chesterton não é um militante obstinado do que defende, e ainda menos do cristianismo, pois tira conclusões honesta e humildemente, quase que por acaso. Não, isso não poderia acontecer. E aqui, penso eu, chegamos à última, se é que podemos chamar assim, coisa mais importante sobre ele: a ideia de uma defesa obstinada da verdade é uma contradição em termos.

Defesa obstinada (ou seria melhor chamar de guerra cultural?) é para revolucionários e conservadores pobres de espírito. Defender algo de que se está convencido pelas melhores razões é precisamente não defender algo loucamente. Pois não consigo imaginar alguém defendendo obstinadamente, com quaisquer razões que puder encontrar, que algo é o sol e não a lua. Não vejo como alguém poderia se empenhar numa grande cruzada ideológica na defesa de que ouvimos pelos ouvidos. É um paradoxo intrigante o fato de que o mais óbvio seja não só o mais difícil de provar, como também aquilo em que estamos menos empenhados em provar. E esta é a principal razão pela qual Chesterton chega à conclusão de que o cristianismo é verdadeiro: seus inimigos são obstinados.

Como um lógico meramente treinado, percebe ideias autocontraditórias e as rejeita como falsas, por exemplo — teria ele dito hoje em dia — a ideia de que saber não passa de poder. Pois esta frase, em seus próprios termos, não é saber nenhum. Mas este é um método para identificar falsidades, ainda não serve para descobrir uma verdade. Como um detetive, então, num passo seguinte, percebe que às vezes os críticos rejeitam certa ideia por motivos opostos. Poderia ser qualquer ideia, mas ocorre de isso acontecer, curiosamente, com o cristianismo. Uns alegam ser uma fé de fracos, incapazes de suportar os sofrimentos desta vida, e que ilude com promessas de um mundo cor de rosa. Outros garantem que é uma fé de homens violentos e fazedores de guerra. Ora, se os críticos de uma ideia estão tão obstinados que se valem de razões opostas, isto é um forte indício que saltaram para fora da razão, e de que aquela ideia, consequentemente, bem poderia ser verdadeira. Mas não é só isso. Pode ser que aquela ideia seja mais do que os críticos dizem que ela é, e isso de um jeito sofisticado, paradoxal, tão racional por todos os lados que não teríamos tempo suficiente para fornecer todas as provas de que é verdadeira. Ora, se existe algo como a verdade transcendente, deve ser algo assim. Claro, como não temos tempo suficiente para todas as provas, um ato de fé é requerido aqui, mas não por escassez de razões, e sim, digamos, por excesso.

Para alguém obstinado, fora da razão, alguém que odeia, qualquer primeiro porrete mais à mão é um argumento. Certo tipo de defesa obstinada do cristianismo é na verdade um fenômeno tão moderno quanto o fundamentalismo islâmico, e dele difere pouco. É a defesa de um Deus tirânico que se impõe mesmo contra as razões, pois é um Deus sem Filho, sem Logos e sem amor. Às vezes imagino Chesterton vivendo em um mundo louco demais até para o mais sensato. Num momento, pensaria que o capitalismo é verdadeiro, pois seus críticos enlouquecidos arriscam qualquer razão contra ele. Mas apenas para no momento seguinte pensar que o socialismo deve ser verdadeiro, pois seus críticos fazem exatamente tudo da mesma maneira. Não existe guerra cultural pela verdade. Guerra cultural é, essencialmente, o conceito de um mundo sem verdades. Mas sem dúvida os meus piores sonhos são aqueles em que o próprio Chesterton está no meio da guerra. Neles vejo suas frases atiradas como banana em briga de feira, como tomates no espetáculo.

Consolo-me então com a ideia de que seria muito improvável que em algum lugar o estivessem lendo como o sobrinho do tirano de Siracusa lia Platão, e que outros não o tivessem lendo simplesmente porque alguém disse que é o autor preferido do sobrinho do tirano de Siracusa. Seria algo tão terrível como uma gargalhada fatal do universo, como se o próprio Chesterton tivesse caído vítima do que ele um dia disse do Bardo: “Nenhum homem sofreu mais do que Shakespeare ao ser citado, e normalmente nada é menos shakespeariano do que uma citação de Shakespeare”, escreve ele no texto de uma conferência pronunciada em Florença em 1935 em homenagem a Pirandello, agraciado com o Nobel de Literatura no ano anterior.

Se um dia Chesterton fosse largamente citado, isso só poderia significar duas coisas, além do fato de que não é lido. Ou seria um sinal claro de que há salvação para nós ou de que estamos muito mais perdidos do que imaginávamos. Ou seria o clarão da manhã ou o clarão do desmaio. Poderia ser a primeira luz de setembro nos campos, mas poderia ser o farol do trem descarrilhado em nossa direção. De qualquer maneira, só poderia ser um sinal claro. É fácil entender como isto poderia ser um claro sinal positivo, difícil é ver como poderia ser um claro sinal de que vem vindo a hora mais escura.

Pois Chesterton é aquele escritor que dirá ao pessimista “Você está errado!”, e quando o otimista começar a comemorar, ele lhe dirá “Mas você está mais errado ainda!”. É aquele que virará para um socialista e dirá sem hesitação “Você está nada mais do que errado!”, e quando o individualista tiver achado que ganhou a batalha, ele lhe dirá “Mas não mais errado do que você!”. Ele dirá a um militarista, como Nietzsche ou Kipling, que ele está afundado no erro, mas dirá a um pacifista, como Tolstói, que, bem… acho que já chega.

Chesterton possui uma filosofia viva, não uma doutrina abstrata. O que ele diz não é simplesmente racional, mas está longe de ser uma irracionalidade. O que ele diz certamente não é de esquerda, mas está longe de ser de direita. Se alguém falasse mal do socialismo na sua frente achando que iria agradar, podia receber a resposta contrária da que esperava. Pois não interessa a ele o fato de que alguém está batendo no socialismo, mas com que armas o faz. Se é por razões individualistas, provavelmente a reprimenda era a mais forte. Não havia argumentação corporativista com ele, tabelinhas ensaiadas, só o longo e caudaloso bom senso a atropelar o que estivesse na frente. Ele é, por assim dizer, um verdadeirista, que é o contrário de um hegemonista.

Sua mais convicta defesa da fé estava precisamente em demonstrar que os seus críticos agiam assim, e batiam com o primeiro porrete à mão, como, aliás, os próprios acusadores do Mestre. Só queriam acusá-lo de alguma coisa, fosse a de querer ser o messias, se quem estivesse julgando fossem um judeu, fosse a de querer ser rei, se o juiz da vez fosse um romano. Bastava combinar a acusação com o juiz. Ora, se há algo que Chesterton jamais fez foi reproduzir esta prática contra o que quer que fosse, mesmo contra as portas do inferno. E isto por uma razão muito simples: a verdade não precisa ser compelida. Não faz nenhum sentido conspirar pela verdade. Mas se alguém prende o suposto mentiroso no meio da noite com espadas e paus, como se fosse um salteador comum, sendo que ele estava todos os dias no templo e ninguém pôs as mãos nele, outro dirá, não sem razão, que é Deus.

Gilbert esteve prestes a ganhar o Nobel de Literatura, embora o comitê sueco tenha revelado, mais tarde, que alguns de seus juízos às vezes precipitados e frenéticos pudessem não fazer bem à época. Nisso também há alguma verdade. Mas, do ponto de vista literário, ele não está mal ao lado de Tolstói, Proust, Joyce, Borges, João Cabral e Philip Roth, que também não ganharam. Mas de todos estes é o único prestes a ser canonizado pela Igreja, embora talvez nunca seja, possivelmente pelas mesmas razões que lhe tiraram o prêmio literário. Mas a santidade não é um prêmio, é um fardo. E sem dúvida jamais passou sequer por sua brilhante e humilde cabeça esta hipótese. Pode não ter sido um escritor perfeito como julgam entusiastas acríticos, mas com certeza não entraria na guerra particular de alguém, custando o que custar. Não sacrificaria a razão e a verdade por um mísero debate. E quando você dissesse algo a alguém, olhando de canto de olho, como a combinar com Chesterton seus argumentos, ouviria sair da boca dele aquele timbre cavernoso que Pedro, o grande Pedro, ouviu de um homem quando quis combinar argumentos com ele: “Afasta-te de mim, Satanás!”.

G.K. é uma espada de dois gumes que divide os errados e os muito errados. Seu espírito é avesso ao simplismo, ao vale-tudo, à polêmica pela polêmica, ao sensacionalismo da razão, ao jornalismo diabolista. É, antes de tudo, um inteligente. E se uma era de intemperança um dia andasse lendo Chesterton, isso poderia significar uma chance para ela. Mas também poderia significar que os demônios voltaram e trouxeram outros sete. Que transformaram em mais um porrete qualquer aquele que mais radicalmente escreveu contra porretes em geral. Significaria que estava impedida a porta de um dos mais valiosos tesouros da cristandade, da literatura e do bom senso, e que se colocaram diante dela como os fariseus à entrada das sinagogas: nem entram nem deixam entrar. O castigo deles seria ainda mais severo.

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G.K. (CNS photo/John Carroll University)

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Arthur Grupillo

Arthur Grupillo é jornalista, professor de filosofia da Universidade Federal de Sergipe, autor do livro O homem de gosto e o egoísta lógico: uma introdução crítica à estética de Kant.