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Julgamento de Lula: relato exclusivo sobre a situação em Porto Alegre

Breve notícia à metrópole — Do ex-cônsul Públio Semprônio

E quiseram os fados que estivesse o vosso velho cônsul — Jove iluminai! — nas terras desta província ao sul do fim mundo, que há anos me serve de degredo, e que, para minha maior inglória, agora desperta de súbito o interesse da metrópole, obrigando-me à árdua tarefa de vos esclarecer os raríssimos hábitos jurídicos desta gente. E eu, que há muito já depusera o cálamo (aqui bem mais útil é o gládio dada a violência das vias), peço-vos, ó primeiro entre os primeiros, clemência de antemão para os meus erros expressivos ou de retórica, não imaginais o quanto é difícil manter a memória de nossa magna língua entre esses ruidosos bárbaros.

Passemos, de abrupto, aos esclarecimentos sobre o atual julgamento, tema de vossa expedita demanda. A primeira coisa que vos haverá de causar espanto é a necessidade constante de ouro para se fazer julgar um réu, ai de mim, que ainda me lembro de que nossos julgamentos tinham por fim conter a sangria das moedas públicas. Se em nossa terra comparecem aos juízos os interessados no processo legal, os causídicos de ambas as partes, alguns amigos ou curiosos, aqui é preciso recorrer a centuriões com luminosos escudos para proteger as autoridades dos mercenários vindos de longínquas fronteiras, em caravanas financiadas pelo réu e seus asseclas, com recursos oriundos, e lamento minha incúria, de fontes que fracassei em precisar. Sei de vosso gosto pelo exótico, meu soberano, mas mesmo os vosso olhos, acostumados às variadas gentes do mundo, haveriam de descrer de suas potências diante da variegadíssima galeria de aberrações que ora desfilam diante dessas duas órbitas oculares que somente a vós pertencem: seres saídos de cavernas e grutas, cegos à luz da realidade, mas capazes de gritar durante um dia todo, portadores de garras suavizadas apenas pelo tilintar dos denários; mortos voltados à vida por meio de sinistros encantamentos praticados pelo réu, capaz de conjurar forças ocultas, segundo os locais, prometendo-lhes uma nova vida de infinitos benefícios; um grupo consistente de partidários dos tempos do antigo império, desusados ao trabalho, que esperam por sua volta com enorme ferocidade, em especial no fórum, pois temem, acima de tudo, perder os luxos orientais com que se fizeram cercar, ainda que continuem a se alegar plebeus; mestres e seus jovens discípulos, pertencentes às classes equivalentes a nosso patriciado, mas aos quais desagrada a ausência de contato real com a plebe, o que os leva, e não vos escapará o paradoxo, a se tomarem por seus representantes; e há, por fim, um exército de escribas, que, por soldo ou crença, usam das palavras para infamar os juízes responsáveis pelo caso ou qualquer voz sensata disposta a lembrá-los da essência das leis.

Sei que esta missiva vos encontrará com o veredicto já divulgado, coisa que me escapa ainda na véspera, mas entendo em vosso pedido, acima de tudo, a demanda por uma explicação de fonte confiável para o ocorrido, de maneira que vos prometo, já a rogar paciência, enviar-vos informações suplementares. Quanto à perspectiva de batalha campal diante do veredicto, preocupação revelada em vossas demandas, apesar de grupos armados também ansiosos pela condenação, parece-me pouco provável. É porque nesta peculiar terra que me coube habitar, nada acontece aos condenados preclaros após os julgamentos. Há casos em que não são sequer presos. Um cidadão local, adepto de nossa escola estoica, certa feita me confessou não lhes bastarem apenas o pão e o circo que espalhamos pelo mundo, nem as festas como fonte de gáudio, concupiscência e farsa, que aqui, pelo espírito do povo, é imperioso transformar tudo em fonte de escárnio, pantomima e desordem.

Em verdade, ó magnânimo, o bom homem resumiu o sentimento que vos tentei traduzir em diversas palavras em uma só de seu idioma, para a qual não temos e espero jamais tenhamos equivalente, e com a qual me despeço, não sem antes alertar-vos sobre o perigoso e sedutor som que ela possui:

Chanchada.