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Por uma agenda institucional inclusiva – Entrevista com James Robinson

Britânico formado na London School of Economics com PhD pela Universidade de Yale, James Robinson foi por mais de dez anos professor de Teoria do Governo em Harvard e atualmente leciona Políticas Públicas na Universidade de Chicago. Especialista em economia comparada e desenvolvimento político com foco no longo prazo e um particular interesse pela América Latina, é co-autor de Por que as Nações Fracassam? (Saraiva).

Em Porto Alegre para a trigésima edição do Fórum da Liberdade dedicada ao “Futuro da Democracia”, Robinson falou ao Estado da Arte, em parceria com o Instituto de Estudos Empresariais, sobre sua teoria da prosperidade das nações, o combate ao subdesenvolvimento, o futuro da globalização e os desafios para o Brasil.

Uma vista panorâmica na Índia.

Professor Robinson, para alinharmos as expectativas: Por que as Nações Fracassam? compila quinze anos de sua pesquisa original com o professor Daron Acemoglu para responder a uma pergunta que é o inverso do que Adam Smith se propôs a responder 240 anos atrás. Então: o clima, a localização geográfica de um país ou a existência ou não de especialistas em políticas públicas explica a riqueza ou pobreza das nações?

James Robinson – A localização geográfica não explica a riqueza ou pobreza das nações, conforme discutido em detalhe no capítulo “Teorias que não funcionam”. Usamos diversas estratégias para mostrar isso. Temos o caso da Coreia do Sul e da Coreia do Norte, que se localizam uma junto à outra e possuem várias características naturais e históricas similares, porém uma é rica e a outra pobre. É um fato que se olharmos para os norte-americanos hoje em dia, as áreas nos trópicos são mais pobres que as áreas nas zonas temperadas, mas se olharmos quinhentos anos atrás, o oposto era verdadeiro. Parece-me ridículo dizer que o Brasil, por exemplo, é mais pobre que os Estados Unidos por causa da localização geográfica. O Brasil possui uma costa gigantesca, campos altamente produtivos, recursos naturais, todos os tipos de clima, em suma, tudo que podemos pensar em termos de condições naturais.

Se estas explicações não são os motivos reais para a presença (ou ausência) de prosperidade, o que explica esta presença?

James Robinson – O modo como as pessoas organizam suas sociedades. As instituições que eles escolhem. Bons especialistas em políticas públicas são a consequência das boas instituições, não a causa delas, embora seja obviamente bastante útil tê-los.

E quanto à cultura? Assim como com as outras justificativas, há muitos estudiosos notáveis (Max Weber, por exemplo) que levantaram a hipótese da importância das tradições, da religião ou de outras preferências da sociedade como possíveis causas para o desenvolvimento econômico.

James Robinson – Em nossa pesquisa não encontramos papel causal significativo para a cultura, pelo menos não como usualmente discutido. A hipótese de Weber era bastante específica, sobre o impacto do calvinismo no empreendedorismo e no esforço, porém acredito que é um conceito específico demais para explicar muito sobre o mundo. Não é nem verdade que grande parte dos inovadores britânicos durante a Revolução Industrial eram calvinistas. O Japão e a China não se tornaram um sucesso econômico mudando sua cultura ou adotando religiões ocidentais, mas mudando o modo como suas sociedades estavam organizadas. Em minha experiência ao redor do mundo as pessoas em geral querem as mesmas coisas que as pessoas em economias de alta renda têm acesso. Isto é perfeitamente consistente com todos os tipos de religiões e credos culturais.

Há um outro modo de olhar para a hipótese da cultura. Falando sobre, digamos, “instituições informais”: regras tácitas (não escritas). Por exemplo, alguém que fica brutalmente ofendido quando lhe oferecem caridade num momento de necessidade, quando este algúem prontamente aceitaria um emprego para aliviar a pobreza. Ou valorizar políticas que promovam a liberdade e fazer campanha contra aqueles que concentram o poder nas mãos do Estado. Como sua teoria lida com essas “regras” informais?

James Robinson – Creio que estas regras informais sejam importantes e são parte importante na explicação da pobreza da América Latina. As instituições que mantém a América Latina pobre não são apenas a Constituição ou as leis, mas são os aspectos informais também. Na Colômbia há um ditado que diz “No sea sapo” (Não seja um sapo) significando: mantenha sua boca fechada e cuide de sua própria vida. Se você flagrar alguém violando a lei, roubando algo, sendo corrupto, mantenha sua boca fechada. Esta é uma norma social bastante disfuncional, porém bastante difundida na sociedade. Há também normas que impedem que as pessoas sejam realmente punidas por crimes. Um quarto de todas as pessoas na Colômbia atualmente condenadas por crimes estão cumprindo suas sentenças em casa. Por que isso? Em parte por causa da corrupção, muitas destas pessoas são da classe política ou da elite econômica. E simplesmente não se pune os desvios da lei, o que é muito comum também nos países pobres da África, por exemplo. Isso é parte de nossa teoria mas não é tão enfatizado em Por que as Nações Fracassam? porque trata-se de uma área de vanguarda na pesquisa social, e nós mesmos estamos estudando bastante sobre isso no momento.

Como sua teoria explica o renascimento da preferência pública por políticos com propostas nacionalistas, bem como a rejeição a mais integração em oposição a regras melhor definidas para a globalização econômica e política? Seriam estas preferências ameaças para instituições inclusivas? Por que estas escolhas políticas foram feitas dentro do arcabouço de instituições inclusivas, no Reino Unido e Estados Unidos, por exemplo?

James Robinson – Acredito que há ameaças potenciais, mas teremos que esperar para ver. O panorama geral é que a União Europeia e os Estados Unidos têm sido grandes incentivadores de inclusão no mundo nos últimos 50 anos. Seis meses de Donald Trump não modificam isto, e ele está se deparando com os pesos e contrapesos que foram historicamente pensados tendo em vista ocasiões como esta. James Madison discutiu bastante sobre o que se tem chamado de populismo. Acredito que a busca por renda e políticas econômicas disfuncionais podem formar algum tipo de coalizão juntas por conta do modo como geram esta renda. Então o fato de que isso exista não me surpreende. O fato de que isso tenha sucesso em tomar o controle de um país, como a Venezuela atualmente, reflete uma história de mau gerenciamento do país e o comportamento extrativo, não inclusivo, das elites anteriores, o que encorajou uma espécie de extratividade por conta das não-elites – embora, é claro, existam muitas elites inseridas no projeto de Trump também. Ele tentará cortar impostos para a gente rica população, para começar.

Bom, sabemos que, embora raro, instituições podem migrar de um círculo virtuoso para um círculo vicioso. A antiga República Veneza é um exemplo. A ausência de um candidato viável que tenha abraçado uma agenda de liberdade política e econômica (ambos, Clinton e Trump, eram a favor de políticas protecionistas) na última eleição americana é um sinal de tal mudança?

James Robinson – Eu não acredito que este seja o caso. É possível. Porém, como eu disse, temos pesos e contrapesos, uma sociedade civil robusta e diversos guardiões das instituições inclusivas.

Na América Latina, por outro lado, temos visto a ascensão de presidentes populistas durante as duas últimas décadas, mesmo levando em conta o fato de que vários destes países desenvolveram algum arcabouço institucional. O “ambiente de ideias” (para usar uma expressão de Milton Friedman) cumpre algum papel ao modelar as instituições (como nas teorias do Professor McCloskey), ou são as circunstâncias, os pontos de inflexão que criam estas instituições?

James Robinson – A maior parte das ideias em voga atualmente existem há bastante tempo. Muito do populismo parece estar relacionado com a centralização das elites históricas na América Latina e seus altos níveis de desigualdade, bem como o fato de que as democracias que vieram após as ditaduras foram decepcionantes em vários aspectos para a maioria das pessoas. A democracia veio, porém foi capturada pelas elites. Então as pessoas anseiam por uma solução mais radical.

James Robinson

Hora de analisar um pouco o Brasil à luz de suas ideias. Em seu livro você menciona a greve dos trabalhadores de 1979 como um importante evento que moldou a criação de melhores instituições no Brasil – especialmente após o final de nosso último regime militar (tivemos dois durante o século XX). Lula, o líder da greve, mais tarde virou presidente e recentemente descobrimos que seu partido engendrou um dos maiores esquemas de corrupção de nossa história. O próprio Lula está sendo investigado pela nossa Polícia Federal por suposto enriquecimento ilícito. Você acha que interpretou mal a dinâmica das instituições brasileiras, ou este é simplesmente um caso em que a forma das instituições é diferente das intenções dos atores políticos que as comandam em determinado momento?

James Robinson – Não sou um expert em Brasil, mas eu acredito que provavelmente fomos muito otimistas sobre a transição do país. Em retrospecto, o papel do presidente Fernando Henrique Cardoso talvez deva ser mais enfatizado, visto que ele investiu pesadamente em educação e isto foi quando a desigualdade começou a cair. Seja lá o modo como começou, o Partido dos Trabalhadores parece ter sido corrompido pelo poder e, pela grande extensão da corrupção, me parece que o “modo como o jogo é jogado” não mudou muito no Brasil. Eu ainda acho que há muitas coisas positivas, como o poder do povo na democracia do país e o movimento de participação no orçamento por parte dos cidadãos.

A investigação conduzida pela Polícia Federal do Brasil intitulada Operação Lava-Jato está expondo uma vasta rede de esquemas de corrupção, corporativismo e distorção das regras do sistema eleitoral em virtude dos que estão no poder. Mesmo assim, considerando este cenário, os políticos estão buscando se manter no poder com tentativas de aprovação de leis para aumentar fundos públicos para os partidos nas eleições e a criação de “anistias” para seus crimes. Isto é normal na dinâmica de mudança institucional em pontos de inflexão destas mudanças? Ou estamos experimentando apenas outra fase de um círculo vicioso?

James Robinson – Sim, eu diria que é isso o que está acontecendo.

Se você fosse brasileiro no momento atual, qual você acha que é a melhor abordagem para aproveitarmos o momento como uma oportunidade para mudar nossas instituições de extrativas para inclusivas?

James Robinson – Nós enfatizamos que este é um problema político. É sobre criar uma ampla coalizão política que tenha uma agenda institucional inclusiva. Eu diria que há uma numerosa classe média nas regiões urbanas do Brasil e há um elevado sentimento de revolta com o que vem acontecendo. O que precisamos ver são novos partidos, novos movimentos sociais e há bastante com o que trabalhar. Por exemplo as inovações organizacionais dos orçamentos participativos. Assim, há mais com o que trabalhar do que a maior parte dos países da América Latina e talvez muitos membros do Partido dos Trabalhadores estejam tão desiludidos e revoltados com a situação quanto os demais brasileiros. Hora de mudar o partido.