Eclosão conservadora
por Cassiano Leme
Houve algo de inusitado na força da reação conservadora às exposições do Queermuseum (patrocinada pelo Santander) e do MAM, com a performance do homem nu apalpado por uma criança. O boicote do MBL ao Santander foi suficientemente bem sucedido para que o banco encerrasse a exposição em curto espaço de tempo.
A nossa sociedade desconhece as “guerras culturais”, que são parte tão intensa da vida social nos EUA. Lá, grupos militantes esquerdistas e conservadores debatem ruidosamente assuntos culturais, boicotam, fazem passeatas, gritam e se agridem rotineiramente. Pelo que me parece, o boicote do MBL foi o primeiro evento conservador dessa natureza no país.
No Brasil das últimas décadas houve somente o monólogo ininterrupto da esquerda cultural, sob a égide dos governos petistas. Um uníssono homogêneo o suficiente para fazer inveja a Stalin. Nada mais natural, portanto, que o despertar da “maioria silenciosa” cause alerta e receio nos meios culturais e jornalísticos.
Mesmo entre os antipáticos à agenda petista, é intenso o temor a essa eclosão conservadora e grande o desgosto que ela provoca. Por essa leitura dos fatos, o boicote ao Santander foi um ato de censura, apesar de não estatal, porque ocasionou o fechamento de uma exposição, restringindo o espaço de debate na sociedade.
A reação do público conservador é vista, assim, como uma ameaça à liberdade de expressão, uma onda de intolerância moralista com ecos da letra escarlate e das queimas de livros em grandes piras.
Mas o que é a liberdade de expressão afinal? A visão liberal clássica articula esse direito em relação ao Estado. Ou seja, que este não usará seu poder de polícia para impedir que um cidadão se expresse livremente. Inclui-se nessa mesma liberdade a proteção do Estado aos indivíduos e às minorias. Por exemplo, o escritor britânico Salman Rushdie foi protegido pelo estado Britânico quando islamitas radicais emitiram uma fatwa contra sua vida por algo que publicara.
Os que se queixam da onda conservadora a criticam por criar um ambiente social e psicologicamente hostil à exposição de certas idéias (como no exemplo do Queermuseum). Argumentam que este tipo de reação social levará à redução da liberdade de discussão, ao conformismo e à ignorância.
Os que assim reclamam distanciam-se da idéia clássica de liberdade. Distanciam-se da idéia que a liberdade de expressão não vem acompanhada de uma garantia de aceitação social. Que aqueles que propõem o novo devem estar preparados para seu rechaço pela sociedade. Principalmente, que a expressão de uma idéia deve ser acompanhada da coragem de defendê-la.
Parecem mesmo acreditar no direito de provocar (ambas exposições são altamente provocativas) sem que os provocados possam reagir. Num salto de lógica orwelliana, os provocados tornam-se os agressores, não o contrário. Onde está a coragem nisso?
Registro que, entre os que se preocuparam com a suposta ameaça à liberdade de expressão, quase não houve menção à necessidade de proteger as crianças.
Finalmente, em nenhum momento os defensores dessa versão ampliada da liberdade de expressão se revoltaram com o uso do dinheiro do contribuinte por meio da Lei Rouanet.
Existe conceito mais autocrático que o Estado compelir um cidadão a financiar uma exposição que propugna valores fundamentalmente opostos aos seus?
Pessoalmente, acho que há muito a comemorar na queda deste verdadeiro “Muro de Berlim” representado pelo monólogo progressista na esfera cultural brasileira.
Cassiano Leme é sócio diretor da Constância Investimentos, graduado em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas e mestre em negócios e administração pela escola de finanças da Universidade de Colúmbia (Nova York).
Para saber mais
No Estado da Arte:
O novo liberalismo brasileiro – imposturas e impasses
A liberdade de expressão na arte
Wolfianas 3 – Qual o preço de nossa liberdade?
Vox popoli, vox dei – Ou Marco Antonio contra Brutus
Entrevista na Rádio Estado da Arte