LiteraturaNational Review

Palavras certas: como escrever e o que ler

por Jay Nordlinger

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Ensaio originalmente publicado na National Review.

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Jay Nordlinger (Reprodução)

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Há pouco tempo, conversava com um grupo de aspirantes a escritores sobre a escrita. Alguns pensamentos vieram à mente e eu gostaria de compartilhá-los.

De que é feito um escritor? Bem, é provável que de alguma combinação de talento e aprendizado — e o primeiro conta mais que o segundo, lamento. Mas o aprendizado não deve ser desconsiderado. Inclusive, o aprendizado pode despertar em você um talento que você até então sequer sabia que tinha.

Há muito de arte na escrita — muito embora essa arte seja geralmente intuída, e não percebida conscientemente.

Acredito que um escritor deva conhecer as regras. Ele deve aprender gramática, de trás pra frente. Deve ser um especialista no idioma; aí então poderá abandonar as regras e brincar um pouco. Ele terá o fundamento para fazê-lo.

Picasso era capaz de desenhar ou pintar tão realisticamente quanto se lhe pedisse. Ele conseguia ser praticamente fotográfico. Agora, na medida em que sua vida foi progredindo, ele escolheu brincar um pouco (para o bem ou para o mal) (e muitas pessoas pensam que para o mal).

Muitos editores, e outros, não gostariam dessas duas frases entre parêntesis em sequência. Eles prefeririam que você escrevesse “(para o bem ou para o mal — e muitas pessoas pensam que para o mal).” Pro diabo com eles.

“Dê preferência às palavras curtas em relação às palavras longas!”, as pessoas dizem. Ok. Talvez como regra. Mas em vez de uma palavra curta ou uma palavra longa, devemos preferir a palavra certa — seja ela qual for. Ela é, com frequência, curta, mas frequentemente não é.

Um dia, alguém se dirigiu frustrado a Bill Buckley: “Por que você usou a palavra ‘irênico’ quando ela significa simplesmente ‘pacífico’?” “Hmmm”, disse Bill, “deixe-me ver isso”. Ele conferiu o que havia escrito. E então disse “Eu devo ter desejado a terceira sílaba”.

Veja, é para que a frase fique musical. Para que ela tenha o ritmo certo. Para manter a frase em equilíbrio. Agora, é raro que bons escritores sejam conscientes dessas coisas. Eles não são autoanalíticos. As palavras simplesmente vêm.

Há uma expressão no golf: “paralisia por análise”. Evite-a.

Há outra expressão do golf — ao menos, eu ouvi a expressão no golf: ‘let it happen, cap’n’.

Mark Helprin lê as coisas em voz alta — lê seus escritos em voz alta. Isso ajuda a confirmar a musicalidade, ou a correção, da escrita.

O conceito de equilíbrio remete-me a Stravinsky. Certa vez, um músico solicitou-o que fizesse uma modificação em uma nova composição, para facilitar a performance. (Uma composição de Stravinsky, claro.) Tratava-se apenas de uma pequena mudança. Stravinsky foi em frente e a adotou. Mas descobriu então que aquela única modificação exigira uma série de outras modificações — para manter a composição em equilíbrio.

É assim na escrita, falo por experiência.

Um escritor deve ser requintado ou direto? Direto, certo? Bem, tudo depende. O que você está tentando articular? Qual é o melhor modo de comunicação?

Macbeth diz, “the multitudinous seas incarnadine, making the green one red”.[*] Por que todas essas palavras sofisticadas, multissilábicas? Bem, você não consegue ouvir as ondas?! E então vê-las, ficando vermelhas?!

O cara sabia ser bem direto também (Shakespeare): “To be, or not to be, that is the question”.  Absolutamente categórico, certo?

Acima, eu usei alguns pontos de exclamação e, pior — “pior” —, usei-os depois de pontos de interrogação. Você não pode fazer isso, certo? Bem, talvez você não possa…

“Não use pontos de exclamação demais”, as pessoas dizem. Na verdade, talvez seja até melhor evita-los! (Ha.) Minha pergunta: Quando você deve usar pontos de exclamação? Resposta: Quando for apropriado fazê-lo — o mesmo que vale pra quase tudo.

A Bíblia (King James) é repleta de pontos de exclamação. Eu não tiraria um único deles.

Ai de ti, pobre Moabe!”

“Como és linda! Quão formosa de se admirar és tu, que amor delicioso!”

“Por isso, se a luz que está em ti são trevas, quão tremendas são essas trevas!”

“Como são maravilhosos, sobre as colinas, os pés do mensageiro que anuncia as Boas Novas, que comunica a todos a Paz, que traz boas notícias, que proclama a Salvação, que declara a Sião: ‘O teu Deus reina!’”

Sim.

Talvez você tenha ouvido que não se deve usar a palavra “muito”. Fico com Helprin: Sabe quando você deve usar a palavra “muito”? Quando você quer dizer “muito”. Há uma diferença entre “triste” e “muito triste”.

Bill Buckley disse uma vez “muito indigente”. Ele então olhou para mim e disse, “É possível alguém ser muito indigente?” Eu disse que achava que não. Indigência é indigência. (Ele concordou.)

Voltemos à questão da sofisticação e da simplicidade. WFB (William F. Buckley Jr.) tinha a fama, ou infâmia, de preferir palavras sofisticadas, longas. Mas ele deveria ser famoso por usar a palavra certa. (Esse é o título de seu livro sobre linguagem, uma coletânea: A Palavra Certa.) Ele era capaz de usar “estocástico” e “Uau!” na mesma coluna. Um colunista convencional jamais usaria nenhuma das duas, já que “estocástico” é obscuro demais e “Uau!”, comum demais.

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William F. Buckley, Jr. (Reprodução: National Review)

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Acredito que esse foi um ponto levantado por Sam Vaughan, há muito tempo. Ele foi, com bastante frequência, editor de Bill. Foi ele quem organizou a coletânea sobre linguagem.

Como regra, acho, a escrita deve refletir a fala. Você deve escrever do modo como fala. Bill fazia isso (de verdade). Norman Podhoretz também, bastante. (Escolhi aqui outro de meus escritores favoritos, e modelos.)

Há bastante tempo, eu pensava não ser capaz de escrever sem contrações sem soar travado. Eu poderia transformar “can’t” em “cannot”, “aren’t” em “are not”, etc. — mas isso estragava o ritmo de minha fala.

Agora, Norman P.? Ele praticamente nunca usava contrações, e nunca soava travado. Sua escrita simplesmente fluía. Um dia, toquei no assunto com ele. Ele disse, em essência, “É”.

Mas esse era ele. É ele. Você pode ser diferente, então simplesmente vá em frente com seu estilo. Se você tentar soar como outra pessoa, você será uma versão empobrecida dessa pessoa, quando sua melhor versão é melhor.

Eu não me importo com quais palavras você use, mas use-as precisamente, por favor! Saiba seus significados e empregue-as corretamente. Não as adote aleatoriamente.

Na noite passada, queria reproduzir no Twitter uma descrição de WFB por Jeffrey Hart. Jeff dizia que Bill era uma figura “deslumbrante, Wildeana”. Eu reproduzi “wildeana”, mas omiti “maravilhosa” — porque ninguém sabe o que isso quer dizer. E eu não queria que fizessem piada.

Eu estava certo em omitir a palavra? (“Deslumbrante” significa “esplêndida ou manifestamente brilhante ou magnífico”.) Provavelmente não. Mas as pessoas sabem ser maldosas, você sabe, e às vezes é preciso ter cuidado com elas — nem sempre, mas às vezes.

Quando estava começando, eu disse um editor, de forma um tanto melodramática, “O problema é que eu quero deixar toda e cada frase brilhante”. “Bobagem”, ele disse, “você deve querer deixar toda frase clara”.

Ele também disse “Você é incapaz de escrever uma frase desinteressante”. Mais tarde, descobri que ele havia dito a mesma coisa a um colega — mas eu não dei a mínima, porque era algo 100 por cento verdadeiro sobre o colega.

Às vezes, facilita quando escrevemos como se estivéssemos nos comunicando com uma pessoa — uma pessoa, uma pessoa de verdade, que você tenha em mente. O que você quer dizer a ele ou a ela? Como você deveria falar — como você falaria — com essa pessoa?

E se você estivesse escrevendo uma carta para casa? Como você colocaria as coisas? Essa não é uma má forma de se proceder quando você é um escritor.

E seja muito claro quanto ao que você quer dizer. Descubra o que é que você pensa antes de escrever (ou enquanto você escreve, mas ao menos em algum momento). Geralmente, se você não tem claro para si o que quer escrever é porque não tem clareza acerca daquilo que pensa.

Eu diria que H.L. Mencken era um idiota colossal e eu tenho quase que nenhuma utilidade para ele. Mas ele era esperto, e tinha um alto QI. Você provavelmente conhece esta famosa frase dele: “A causa da escrita ruim é, como se diz geralmente, o pensamento ruim. Mas aquilo que não se diz o suficiente é que a causa do pensamento ruim é a estupidez”.

Gostaria ainda de mencionar uma outra coisa: velocidade. Eu quero que meus leitores consigam me ler rapidamente. Quero que eles avancem rapidamente na página. Não quero que tenham de parar ou que tropecem. Que se confundam ou releiam.

Outros escritores não se importam — não se importam se você tem de fazer um esforço, até reler. Há bons escritores nos dois campos.

Você pode ver quando um escritor está tentando ser muito escritor — “escritorzinho” demais, como digo. Essas tentativas são duras de se ler, eu acho. Nunca tente ser estiloso. Se você tem estilo, será estiloso. A tentativa é desastrosa.

“Escreva frases curtas”, diz Paul Johnson, “e, ocasionalmente, coloque uma longa, para variar”. Se formos falar em regras, essa seria uma regra. Mas eu garanto que Paul não a segue conscientemente quando é ele quem escreve. (É provável que ele tenha notado esse negócio de frases quando trabalhava como editor. Eu também notei muitas coisas quando fui editor.)

Paul Johnson é completamente apaixonado por música. (É um biógrafo de Mozart.) Bill Buckley era completamente apaixonado por música. Norman Podhoretz, a mesma coisa. Vikram Seth, aquele grande escritor, diz “A música é para mim mais cara que a fala”.

A musicalidade nesses autores todos é óbvia. Eles habitam um mundo de sons, assim como compositores (quero dizer, aqueles que compõem música, não prosa ou poesia).

De volta às regras. “Qual é nossa política?”, perguntou-me um dia um editor-assistente, um pouco incomodando, num tom até de acusação. Bem, às vezes há uma política — e.g. “Nós não usamos o ‘f’ em ‘federal’ maiúsculo”. “Nós escrevemos os números até doze por extenso”. Mas às vezes a “política” é bom gosto, discrição, experiência, juízo — talento.

Você não pode dizer isso, é ofensivo. (As pessoas odeiam o tipo de texto que estou escrevendo agora, e não as culpo.)

Siga as regras, sim, ou “regras”. Por exemplo, não é boa ideia começar parágrafos consecutivos com a mesma palavra — exceto quando é uma boa ideia. Se uma regra entra em conflito com o ouvido de um escritor, a regra tem de ceder — desde que o escritor tenha um bom ouvido.

Mas quem diz o que é um bom ouvido? É aqui que a coisa fica um pouco dolorosa e até constrangedora. O mundo das letras e das artes não é uma democracia, infelizmente.

Duas vezes, WFB escreveu um livro sobre uma única semana em sua vida. Seus detratores ficaram horrorizados. “Que audácia!”, diziam. “Imagine, ser arrogante a ponto de achar que as pessoas querem ler sobre uma semana comum de sua vida”.

Bill dizia ser um “escritor performático” — e que se você pudesse escrever um livro, a seu nível, sobre uma semana em sua vida, ele então o leria avidamente. Não estou bem certo de que isso tenha ajudado a acalmar a raiva de alguém.

Todos podemos cantar. Se você é capaz de falar, é capaz de cantar, mais ou menos. Mas poucos de nós ousaríamos cantar uma ária em público, ou mesmo uma canção popular. Se você é capaz de escrever uma lista de compras, é capaz de escrever. Mas…

Às vezes a escrita é fácil, às vezes é difícil. Às vezes, vem como uma brisa de verão; outras vezes, como uma marcha para a morte. Quer saber o que dizia Paul Johnson? “Depois de um longo dia de escrita, você deve sorrir aliviado”. Estou certo de que ele sorri assim. Outros fazem cara de dor.

Uma coisa eu garanto: Os meus textos geralmente vêm do mesmo modo, tenham eles deslizado através de meus dedos ou apenas depois de muita luta. Não é estranho? A dificuldade daqueles batalhados é disfarçada (eu acho).

Conheci uma vez uma senhora de muita idade. E como ela era linda. Ela disse “Eu tenho a mesma aparência que sempre tive. Só leva um tempinho a mais”.

Deixe-me mudar o foco, para falar sobre independência, coragem — sobre ser verdadeiro consigo mesmo. Muitos meses atrás, escrevi sobre os perigos de “ler o ambiente”. Uma jornalista começou um texto com “Alguém pode, pelo amor de Deus, ensinar J.K. Rowling a ler o ambiente?”

Eu comentei,

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Há escritores que leem o ambiente. Eles são praticamente termômetros humanos. E eles dão ao ambiente o que ele deseja. Mas se você escreve para o ambiente — com o ambiente em mente; com a reação do público em mente —, você dificilmente será um escritor de verdade.

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Não há como agradar a todos. Nunca haverá. Sempre haverá alguém com objeções, alguém que odeia o que você escreve, não importa o que seja: “Passe-me o sal”. “Cãezinhos são brincalhões”. “Hoje é terça-feira”. Não importa.

Você terá admiradores e detratores. Os admiradores são um bálsamo. Escreva para eles — ainda que para mais ninguém — e deixe os detratores latirem para quem quer que os estiver escutando.

Sempre, sempre haverá os demasiadamente sensíveis, facilmente ofendidos, que clamam por um lugar seguro e por seu cancelamento.

Siga em frente.

George Rochberg, o compositor falecido, disse certa vez a um colega: “Você precisa de um estômago de ferro para ser um compositor”. Você deve encarar a raiva e o desprezo do mundo. É preciso um estômago de ferro para ser um escritor também — um escritor de verdade, com coisas significativas a dizer. Qualquer um é capaz de ser um animador de plateias, parte do rebanho.

O rebanhop é seguro, certamente. E às vezes o rebanho é o lugar para se estar! Mas é possível encontrar grande satisfação fora dele — senão a curto prazo, que seja a longo.

Certo, já estou me alongando, e, se estou lendo o ambiente corretamente (!), já começo a entediar. Mais algumas coisinhas.

“Mais algumas coisinhas”? Pode ser. “Escolha do jogador”, como dizia John Derbyshire. Há muitas, muitas escolhas na escrita — boas escolhas —, e você as encontra todos os dias na vida das letras.

Do modo como eu vejo, é difícil ensinar alguém a escrever. Acho que posso até ser útil se alguém me apresentar alguns trechos. Seja como for, gosto de absorção: a absorção, a imersão na boa escrita (ou música ou o que queira). Esse é um belo modo de se aprender — mesmo, ou especialmente, quando você não sabe o que está aprendendo.

Um velho professor meu, David Herbert Donald, o historiador, tinha um conselho de escrita: Assista Fred Astaire. Veja-o dançando. Perceba seus gestos — a fluidez, o ângulo, a elegância, o humor.

Fred e outros coreógrafos à parte, você deve ler um gênero particular de escrita? Eu diria que não. O único gênero de que falo aqui é a boa escrita. A econômica e a barroca, a escrita à la Hemingway e à la Faulkner.

“Se soa bom, está bom”, dizia Duke Ellington sobre a música.

Alguém me pediu que escrevesse uma lista de livros que talvez sejam úteis a jovens escritores — ou a qualquer escritor, na verdade —, e a pessoas de disposição conservadora em particular. Como solicitado, fiz uma lista. Há alguns ensaios nela. Há muitas coletâneas, ou antologias, porque a ideia principal é apresentar gostos.

A maioria dos livros está na lista pelo pensamento neles articulado — pelo que têm a dizer mais do que pelo modo como dizem. Mas às vezes o “como” é equivalente ao “o que”, ou até mais importante.

Muitas pessoas não vão gostar da lista, é claro — já até as escuto. Verbatim. Mas tudo bem, porque eles podem organizar suas próprias listas, se quiserem, de acordo com suas luzes próprias. Vive la différence e Vive la liberté.

Primeiro, uma lista de obras de não-ficção. E depois algumas sugestões de ficção, para imersão. Muito obrigado e até logo.

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Stravinsky em 1965

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Brookhiser, Richard, Founders’ Son: A Life of Abraham Lincoln

Buckley, William F., Jr., The Right Word

Buckley, William F., Jr., Let Us Talk of Many Things

Buckley, William F., Overdrive

Chambers, Whittaker, Witness

Conquest, Robert, Reflections on a Ravaged Century

Hayek, Friedrich A., The Constitution of Liberty

Hayek, Friedrich A., The Fatal Conceit

Johnson, Paul, Modern Times

Johnson, Paul, The Quotable Paul Johnson

Kristol, Irving, The Neoconservative Persuasion

Levin, Bernard, Enthusiasms

Lincoln, Abraham, The Speeches & Writings of Abraham Lincoln (from the Library of America)

Link, Perry, “The Anaconda in the Chandelier”

Orwell, “Politics and the English Language”

Podhoretz, Norman, The Norman Podhoretz Reader

Pryce-Jones, David, Fault Lines

Sharansky, Natan, Fear No Evil

Solzhenitsyn, Aleksandr, The Oak and the Calf

Sowell, Thomas, Black Rednecks and White Liberals

Sowell, Thomas, The Quest for Cosmic Justice

Valladares, Armando, Against All Hope

Will, George F., The Conservative Sensibility

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Helprin, Mark — talvez The Pacific

Ishiguro, Kazuo, The Remains of the Day

Kipling, Rudyard, Kim

Naipaul, V.S. — talvez A Bend in the River

Seth, Vikram — talvez An Equal Music

Solzhenitsyn, Aleksandr, One Day in the Life of Ivan Denisovich

Waugh, Evelyn, Brideshead Revisited e Scoop

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Nota de tradução:

[*] Macbeth diz que suas mãos, manchadas de sangue, ‘tingiriam de vermelho inumeráveis mares’.

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Todos nossos agradecimentos à National Review e a Jay Nordlinger, agora parceiro do Estado da Arte.

(Tradução de Gilberto Morbach.)

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