Editorial

Editorial: Futuro, passado, presente

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“I believe that order is better than chaos, creation better than destruction. I prefer gentleness to violence, forgiveness to vendetta.
On the whole, knowledge is preferable to ignorance and sympathy more important than ideology.
I believe that in spite of the recent triumphs of science, men haven’t changed much in the last two thousand years; and in consequence we must still try to learn from history.
History is ourselves.”

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—Kenneth Clark, Civilisation, 1969

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“Rain Steam and Speed, The Great Western Railway”, J.M.W. Turner, 1844

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O Estado da Arte completa hoje um mês de retomada de suas atividades. Borges tinha razão, é claro que Borges tinha razão, quando dizia que o tempo é a substância de que somos feitos.

Confesso que não sei exatamente o que esse marco temporal significa. Mas eu sei que ele significa alguma coisa. Talvez, em si, não signifique nada; afinal, é nossa perspectiva que atribui o significado à realidade. É por isso que, de alguma forma, a tarefa que assumimos desde o início é a de fazer um pouco de sentido disso tudo que constitui o que nós somos. Fazer sentido — e volto a Borges, o que é sempre uma boa ideia — de nossas “ambiciosas e pobres vozes humanas, tudo, mundo, universo”. Foi assim neste mês que, sabemos todos, não foi, não está sendo fácil. Um mês de pandemia, de isolamento, de crises que seguem crises e anunciam crises que virão.

Foi um mês atípico. Mas então, o que fazer? Permito-me retomar Sir Isaiah Berlin: podemos fazer apenas aquilo que podemos; mas é isso que devemos fazer, contra todas as dificuldades. Não é muito, não pode salvar o mundo, mas é o que podemos: procuramos oferecer um pouco de luz. Tratamos —nossos colaboradores compõem esta primeira pessoa no plural — sobre o assunto que se impõe, a pandemia da covid-19, pelas perspectivas da bioética, da ética das virtudes, do direito brasileiro — incluindo aí uma entrevista exclusiva ao Estado da Arte com Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal —, do direito internacional, da literatura, da história da cultura, da educação, da psicanálise, da ciência política, da filosofia das emoções, da música, da responsabilidade fiscal, da globalização, da antropologia, da esperança.

Mas não ficamos só nisso. Afinal, se são tempos de confinamento, é precisamente por isso que buscamos também oferecer uma tentativa de refúgio à consciência. É preciso, mais do que nunca, que fiquemos “bem”, o bem que nos é possível. Trouxemos — de novo, como sempre, nossos colaboradores trouxeram — um debate sobre governança global; ensaios sobre Shakespeare e sobre Fernando Novais, sobre historiografia da arte e arte renascentista; sobre a liberdade, sobre o capitalismo e os intelectuais, sobre o problema da sorte moral e sobre Lérmontov; sobre os partidos e a democracia, sobre a Doutrina Social da Igreja, sobre Carl Schmitt e Donoso Cortés; sobre a jurisdição constitucional no Brasil, sobre o medo, sobre cultura e civilização, sobre os livros que Pérez-Reverte nunca lerá; sobre Churchill, sobre a “guerra cultural bolsonarista”, até sobre Deus e a existência do universo.

Nada disso teria sido possível sem nossos colaboradores. Nada disso teria sido possível sem nossos leitores.

Um mês difícil, é verdade. Interessante, diferente, angustiante. Um longo mês no qual tentamos fazer aquilo que podemos, contra todas as dificuldades. E talvez seja esse um dos significados do marco temporal: olhar para trás para tentar entender. Afinal, como bem disse nosso colaborador Vinícius Müller, “só é bom entendedor quem entende o que veio antes.”

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O autorretrato de Borges, após ter ficado cego (Publicado desta forma em 1976 pela Paris Review, até então só tendo sido visto de cabeça para baixo)

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É por isso que, no dia que marca um mês de nossa retomada, faz sentido olhar para o que fizemos. Em nossa reapresentação, prometemos novidades. Prometemos mudanças — mudanças que tornariam possível conservar o respeito aos princípios em torno dos quais o Estado da Arte sempre gravitou. Daí por que somos “um projeto de futuro com raízes no passado”. Com essa definição, anunciamos uma dessas novidades ao longo desse mês, porque repetimos aqui exatamente o lema de um de nossos novos parceiros institucionais: o Instituto de Estudos Políticos, fundado e coordenado pelo Prof. João Carlos Espada, OBE, na Universidade Católica de Portugal.

Não foi a única parceria institucional que firmamos. Também celebramos um projeto comum com a Fundação Fernando Henrique Cardoso. Também não foi por acaso; novamente, princípios e propósitos em fina sintonia deram a tônica da aproximação. “Respeito ao pluralismo de opiniões” e “crença no debate qualificado de ideias” são valores anunciados pela Fundação FHC. E não é disso, afinal, que se trata?

O pluralismo, o debate qualificado de ideias, o futuro com raízes no passado. Isso só é possível graças àqueles que escrevem para o Estado da Arte — escritores, poetas, críticos, filósofos, cientistas políticos, psicanalistas, médicos, professores, pesquisadores, acadêmicos. Com inteligência e sensibilidade, responsabilidade e honestidade, são eles quem tornam nosso grande projeto possível: o de trazer para você, leitor verdadeiro, conteúdo absolutamente gratuito, sem restrições, de livre acesso.

Liberdade, afinal. Liberdade de conteúdo e de acesso desse conteúdo; liberdade de ideias e de circulação dessas ideias. Liberdade em sua mais verdadeira definição: a liberdade que reconhece que a ordem é melhor que o caos, que a criação é melhor que a destruição. Fechamos mais um mês em nossa história; história que só é possível graças a nossos colaboradores e nossos leitores. História.

History is ourselves.

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Gilberto Morbach

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“O Par de Sapatos”, Van Gogh, 1886

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